Ao que tudo indica, o Brasil vai mesmo desperdiçar a oportunidade de se tornar uma potência na produção, pesquisa e comércio da Cannabis. Diante da aversão das autoridades brasileiras ao tema, nossos vizinhos latino-americanos estão aproveitando o momento para implementar políticas muito mais inteligentes e, claro, lucrativas. Nem parece que estamos falando do Brasil, o líder regional do agronegócio, dotado de clima favorável, enormes extensões de terras férteis e tecnologia de ponta, além de mão-de-obra especializada e abundante.
Conforme escrevi aqui, a Colômbia já nos deixou para trás e agora o México começa a despontar como um competidor de peso, graças à considerável demanda doméstica e seu acesso a mercados internacionais, principalmente o de seu vizinho do norte, os Estados Unidos. Para se ter uma ideia do potencial mexicano, em 2018 seu mercado interno total, que inclui o uso adulto, o medicinal e o ilegal, foi estimado em 1,9 bilhão de dólares pela consultoria New Frontier Data (NFD). Pelos mesmos critérios, a Colômbia teria a capacidade de girar US$ 673 milhões e o Brasil, US$ 2,3 bilhões anuais, ainda de acordo com a NFD. Para os EUA, já com dados atualizados para 2019, o valor chegaria a astronômicos US$ 77,7 bilhões. Ou seja: há muito dinheiro na mesa, mas o Brasil prefere deixá-lo para seus vizinhos.
No México, onde decisões recentes da Justiça apontam para um caminho liberalizante, há a expectativa de que a erva possa ser totalmente legalizada em um futuro próximo, seguindo os exemplos do Uruguai e do Canadá. Em outubro do ano passado, a Suprema Corte do país decidiu que a proibição do consumo, posse e cultivo para uso pessoal é inconstitucional, por violar o direito fundamental à livre formação da personalidade. No mês passado, o mesmo tribunal determinou ao Ministério da Saúde que publicasse, no prazo de 180 dias, as diretrizes para a regulamentação da cannabis medicinal. A movimentação do judiciário deu fôlego aos defensores da legalização e já há quem aposte que ela aconteça antes mesmo do final deste ano. Caso se confirme a previsão, ao fim de 2019 a cannabis estará legalizada em toda a costa do Pacífico Norte, da fronteira com a Guatemala até o Oceano Ártico, passando por México, Califórnia, Oregon, Washington, Canadá e Alasca.
Além do óbvio incentivo econômico, os mexicanos contam com outro argumento bastante eloquente para mudar sua abordagem com relação às drogas: a violência dos cartéis. De acordo com estimativas do serviço de pesquisas do Congresso, o crime organizado foi responsável por cerca de 150 mil homicídios intencionais no país desde 2006. Os traficantes mexicanos são conhecidos por sua audácia e brutalidade, atacando não apenas gangues rivais, mas também políticos, juízes, promotores e jornalistas. É claro que a legalização da cannabis não vai mudar esse cenário da noite para o dia, mas ao menos o México está realizando um debate às claras, pesando prós e contras e tomando suas decisões com base em fatos, dados e respeito aos direitos fundamentais do cidadão. Mais do que uma abordagem racional, o movimento revela um grande senso de oportunidade que certamente trará recompensas sanitárias, sociais e econômicas ao povo mexicano. Enquanto isso, no Brasil, as autoridades estão mais preocupadas em censurar livros, queimar florestas, limitar pesquisas e ofender aliados.
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