Desde que fora apanhado em malfeitos pela Lava Jato, Lula vive de auras. Primeiro, para manter a aura de honesto, fez o diabo para não ser preso. Jamais – em tempo algum – houve na história política do Brasil tantas chicanas para se libertar um corrupto. Até articular uma vaga no ministério de Dilma a fim de escapar do foro do ex-juiz Sergio Moro Lula fez. A Suprema Corte do País chegou a se mobilizar para alterar um entendimento já firmado cujo principal interessado era Lula: a prisão depois da condenação em segunda instância.
A ONU foi acionada. Mais de R$ 1 milhão do Fundo Partidário foi desembolsado ilegalmente em favor dos atos pela soltura do ex-presidente petista. Em suma, a campanha para poupá-lo da prisão e depois para tirá-lo de trás das grades não conheceu limites. Agora, na tentativa de preservar a aura de “preso político”, Lula recorre a mais um expediente inusitado. Ele abre mão da progressão da pena ao semiaberto para – pasme – permanecer preso. Ao menos até que o STF o liberte definitivamente e sem restrições, o que ele espera que ocorra já nos próximos dias. Ou seja, depois de 500 dias na cadeia, o demiurgo de Garanhuns foi do bordão #Lulalivre a #Lulapreso ao sabor de suas conveniências pessoais e político-partidárias. Lula pode até nutrir esse desejo. O que ele não pode é querer uma lei só para ele, ou seja, uma norma que se adeque perfeitamente aos seus desígnios. Que estado de Justiça teremos daqui em diante como conseqüência de mais um gesto político do petista destinado única e exclusivamente a dourar a aura que ele quer conservar perante a uma claque que hoje perdeu relevância?
O PT experimenta uma crise de identidade de um partido moldado pela liberdade e pelos avanços sociais desde que foi flagrado em atos inequívocos de corrupção. O petismo foi consumido pelo lulismo e o primeiro não mais sobrevive sem o segundo. Daí a necessidade de manter acesa a chama de pretensa probidade do petista condenado. Por isso, o movimento de Lula, como sempre, não passa de uma jogada de marketing político. Ele quer uma Justiça só para ele e que todos se adaptem aos seus caprichos.
Nos últimos 17 meses, o STF tem se movido quase que exclusivamente para atender aos pleitos do petista. Ele se percebe acima das leis. Sabe que se deixar a cadeia com as condições impostas pela juíza Carolina Lebbos, estará validando a condenação e todo o processo jurídico que o levou à prisão, derrubando por terra a trilogia de que é preso político. Ele começou a esboçar essa tese ainda às vésperas de sua prisão na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Lá, entrincheirou-se, e, com a proteção de milhares de sindicalistas fanáticos, que lhe serviram de escudo humano, resistiu à prisão por mais de 48h. Agora, pretende usar o episódio da soltura como um novo lance do processo de martirização.
Ao se recusar a deixar a cadeia, Lula está tentando seguir os passos do líder sul-africano Nelson Mandela, que negou-se a deixar a penitenciária depois de 23 anos preso. Só que entre os dois há uma abissal e indisfarçável diferença. Enquanto Mandela foi realmente perseguido politicamente e condenado injustamente, Lula terminou sentenciado com provas incostestes – por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. Até o presidente da OAS, Léo Pinheiro, que construiu o imóvel, confessou ter ofertado o apartamento a Lula como propina, em troca de contratos superfaturados na Petrobras. Mas, a partir da campanha “Liberdade plena para Lula”, o PT quer fazer valer a narrativa de que o petista é injustiçado, com direito à hilária condição de indicado ao Prêmio Nobel da Paz, como Mandela. Colará? Com a palavra o STF.
Lula já cumpriu um sexto dos 8 anos e 10 meses aos quais foi condenado. Apenas por isso, o Ministério Público Federal sob Deltan Dallagnol solicitou à Justiça que o regime de Lula fosse convertido para o semiaberto, o que lhe conferia o privilégio de ficar detido em casa, um confortável duplex na aprazível cidade de São Bernardo do Campo. Como contrapartida, teria de trabalhar durante o dia, andar por aí trajando a famigerada tornozeleira eletrônica e pagar uma multa de R$4,9 milhões, valor este que seria abatido dos R$ 50 milhões já retidos pela Justiça: “Quem usa anel no pé é pombo-correio”, rechaçou o petista.
Consultado se aceitava ir para casa nessas circunstâncias, Lula escreveu uma carta de próprio punho na segunda-feira 30 assegurando que não irá “barganhar” sua soltura. E impôs absurdas condições para sair: quer ser posto em liberdade desde que a Justiça reconheça que é “100% inocente”, que o juiz Sergio Moro seja considerado inapto por ter decretado sua prisão e que, finalmente, o ministro lhe peça desculpas pelos danos causados. Uma desfaçatez total. Dessa forma, Lula e o PT estão a inaugurar a prisão perpétua no Brasil, uma vez que todas as instâncias do Judiciário referendaram a sentença de Moro e ele jamais deixará a prisão com o almejado “atestado de inocência”. Afinal, as provas de corrupção são irrefutáveis.
Juristas refutam a manobra
A maioria dos juristas entende que Lula é obrigado a cumprir a determinação da juíza Carolina Lebbos. O próprio presidente do TRF-4, Victor dos Santos Laus, diz que ele desfruta de regalias na prisão e que não lhe cabe escolher progredir ou não de regime prisional. “Não é ele quem administra o sistema prisional. O Poder Judiciário pode necessitar das dependências que ele ocupa na PF com várias regalias. E, nesse caso, terá que desocupá-las”, frisou Laus.
A artimanha de Lula e do PT, no entanto, vai muito além da recusa da tornozeleira eletrônica e do acalentado “carimbo de inocente”. Na verdade, os advogados do petista apostam que ele terá chances de deixar a cadeia em definitivo nos próximos dias. Para isso – acredita – contará com a ajuda dos ministros do STF: “Já que vamos apanhar, melhor apanhar de uma vez”, ponderou um magistrado pró-PT. Lula espera que o presidente do STF, Dias Toffoli, coloque em votação já na próxima semana a questão da prisão em segunda instância. Havia um entendimento, de 2016, de que o réu precisaria começar a cumprir a pena após a condenação em colegiado de segundo grau.
Naquela oportunidade, o placar pelo cumprimento da pena foi de 6 a 5, com o voto favorável de Gilmar Mendes. O ministro, porém, alterou a compreensão e já emitiu sinais de que irá votar contra o dispositivo na próxima oportunidade. É a chance de ouro para que a prisão em segunda instância caduque. Assim, Lula poderá ser posto em liberdade, sem necessidade de tornozeleira e sem precisar dar aval ao processo a que foi submetido, o qual contesta com veemência. Lula conta também com os ministros do STF no recurso impetrado contra Sergio Moro que pede a suspeição do ex-juiz na sentença do tríplex.
O advogado Cristiano Zanin considera que o atual ministro da Justiça teria condenado o petista apenas para afastá-lo da disputa eleitoral do ano passado. Para Lula, a nomeação de Moro como ministro de Jair Bolsonaro seria a prova inconteste. Esquece, contudo, que há mais de mil depoimentos no processo do imóvel de três pavimentos no Guarujá mostrando que Lula agia como o dono do apartamento, dezenas de delações premiadas atestando o mesmo, além de inúmeros documentos comprovando que o ex-presidente era o real beneficiário do imóvel. Se Moro for considerado suspeito pelo STF, a sentença pode ser anulada. As chances são menores do que o fim da prisão em segunda instância, mas os rábulas de Lula alimentam esperanças. Gilmar Mendes já antecipou seu voto contrário a Sergio Moro, por óbvio. Outros podem seguir pelo mesmo caminho a sacramentar a inversão completa e desavergonhada de valores: mocinhos da Lava Jato viram bandidos. Os condenados, as vítimas. E eles querem fazer isso sem nem corar a face.