Chegou a “dona do pedaço”. É o que sussurram os petistas quando a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, noiva de Lula, irrompe entre as centenas de pessoas que se acotovelam na porta da Polícia Federal de Curitiba, no distante e frio bairro de Santa Cândida. Lá, evidentemente, ela dispõe de passe-livre. No PT, Janja está mais do que à vontade. Ela é a nova mandachuva do partido. Com o aval do ex-presidente petista, com quem deve se casar em breve, a socióloga distribui ordens, enquadra dirigentes partidários, dá orientações a Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, presidente da legenda, e até faz as vezes de tesoureira informal, ao se ocupar de questões de natureza financeira. Empoderada, Janja, nos últimos dias, avocou para si uma nova missão: a de preparar o PT para o pós-Lula Livre — o que ela e todos os petistas acalentam.
Na condição de porta-voz do ex-presidente, a socióloga foi quem transmitiu aos correligionários que o futuro marido não admitiria a progressão da pena para o regime semiaberto. “O presidente não quer deixar a cadeia com tornozeleira eletrônica: isso ele não admite de forma alguma”, disparou ela. “A liberdade não virá assinada pelos que fraudaram a Justiça”, reforçou a noiva em suas redes sociais no último dia 29 de setembro, ao comentar o pedido do Ministério Público Federal do Paraná, assinado pelo procurador da República, Deltan Dallagnol. O primeiro a receber a informação foi o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
O presidenciável da legenda acostumou-se rápido com estilo Janja de ser e agir. Desde a campanha os dois tocam de ouvido, mas Haddad ouve mais do que fala. Ela, ao contrário, fala mais do que ouve. A relação com a nova toda-poderosa do PT é regida por uma lógica simples. Basta entender que “Janja é Lula”, e tudo está resolvido. O mesmo se aplica quando Rosângela da Silva participa das reuniões da cúpula do PT em Curitiba e em São Paulo. Nos encontros em que Janja tem voz ativa, já se discute o futuro da legenda a partir da tão sonhada liberdade de Lula. O partido se prepara para um novo confronto contra Jair Bolsonaro em 2022. É o adversário dos sonhos.
A aposta no petismo é que o bolsonarismo chegará às vésperas do pleito em processo avançado de deterioração. A confirmar o cenário, o tom será de radicalização, dissemina Janja. Além de Haddad, Emídio de Souza, ex-presidente do PT de São Paulo, e o deputado Paulo Pimenta (RS), líder do PT na Câmara também já estão habituados com as orientações da nova primeira-dama. As recomendações estendem-se a Francisco Rocha da Silva, o “Rochinha”, um dirigente histórico do PT, que fundou o partido com Lula e nunca mais deixou a direção partidária, transformando-se num lulista incorrigível.
Fiel escudeira
Em suas incursões no PT, Rosângela da Silva é escudada por Neudicléia Oliveira, a Neudi – chefe do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), abrigado no PT quase como uma corrente interna, em patamares semelhantes ao do MST. Ela atua como uma espécie de ajudante de ordens de Janja. Neudi faz de tudo: paga até contas do casal e depois as cobra do PT. Para custear pequenas despesas, Neudi vale-se do “lucro” das barraquinhas que o MAB explora na porta da PF, onde são vendidas de água a camisetas do movimento “Lula Livre”.
Neudi, ao lado de Marco Aurélio Marcola, advogado e funcionário do Instituto Lula, que se auto-proclama “chefe de gabinete” do ex-presidente, são os responsáveis por montar uma espécie de cordão de isolamento à sala-cela de Lula em Curitiba, toda vez que Janja vai visitá-lo. Depois que a noiva passa pela catraca que dá acesso ao quinto andar, pavimento onde o petista está detido, Neudi e Marcola não deixam mais ninguém entrar. Nem mesmo os cinco filhos do presidente, que só alcançam Lula com a expressa autorização de Janja. Não por acaso, a maioria dos rebentos torce o nariz para a futura esposa. A exceção é Lurian, filha mais velha, que virou a “queridinha” da socióloga, a ponto de elogiá-la publicamente.
O grupo dos petistas mais ligados a Rosângela da Silva foi batizado de “panelinha”. A turma se reúne em Curitiba praticamente todas as quintas-feiras, dia de visitas na federal. Há, no local, todo um esquema de proteção a eles. Por exemplo, só os integrantes da “panelinha” podem entrar no prédio da Polícia Federal quando chove. Já os companheiros do MST e do Movimento de Atingidos por Barragens ficam ao relento mesmo, faça chuva ou sol. Por isso, as vigílias estão encolhendo cada vez mais. Hoje, não reúnem mais do que 30 pessoas por dia. Antes, eram centenas. No início, até milhares. Agora, o público só aumenta quando as “celebridades” comparecem ao local para visitar o petista. “Nesses dias enche de gente. Vêm assessores dos deputados do PT de Brasília e aqui do Paraná mesmo. São militantes do partido e da CUT de Curitiba, além do pessoal do MST e do MAB”, contou uma fonte à ISTOÉ. Um dos momentos mais badalados, e de glória para Janja, foi o último dia 19, quando o compositor Chico Buarque de Hollanda encontrou-se com o amigo preso. Durante a visita, o músico, considerado um ícone na esquerda, foi ciceroneado o tempo todo por Janja, que não se conteve de alegria.
No início da noite, com a socióloga e Ricardo Stuckert — fotógrafo e amigo pessoal do ex-presidente Lula — à frente, o grupo invariavelmente sai para jantar, sempre com fartura de comida e bebidas, incluindo cerveja à vontade e vinhos de R$ 500 à garrafa. Um desses jantares aconteceu recentemente no Bar Jacobina, em Curitiba, com a presença de Emídio de Souza e Haddad. O encontro serviu para embalar a solenidade dos 500 dias de Lula preso. Ao presidenciável coube dedilhar o violão. O timbre, não raro, com traços de rouquidão não o impediu de soltar a voz: Haddad foi também o cantor oficial do convescote.
Na campanha de Fernando Haddad a presidente da República, Kabne ajudou nas viagens do petista pelo Brasil, em especial, na reta final da eleição. Àquela altura, Janja integrava a comitiva do candidato e já dava as cartas em nome de Lula. Quando, no segundo turno, Haddad coloriu a bandeira petista de verde e amarelo e reduziu as idas a Curitiba na tentativa de se dissociar de Lula (ao menos publicamente), Janja era quem lhe confiava as preciosas orientações do ex-presidente. Inclusive sobre como amealhar recursos para a campanha. Dinheiro não faltou e, pelo visto, não faltará aos projetos eleitorais do partido para 2020 e 2022.
Recentemente, a equipe liderada por Rosângela da Silva ganhou um reforço de peso: a milionária Rosane Gutjahn, cujo marido foi um dos 154 mortos no acidente da Gol no Mato Grosso em 2006. A viúva rica “abraçou” a causa Lula e estaria doando R$ 100 mil por mês ao grupo. Recentemente, ela arrematou todas as fotos que Ricardo Stuckert expôs num leilão em Curitiba a fim de arrecadar dinheiro para o movimento. Rosane doou as fotos depois para os próprios petistas, incluindo Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, e Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT.
Gleisi no córner
Glesi, a propósito, foi quem mais perdeu com a ascensão de Janja ao Olimpo petista. Apesar de também morar em Curitiba e ter sido habituê nas visitas à sala-cela de Lula, “ela foi jogada para escanteio” por Rosângela, asseguram fontes petistas. Para se ter uma ideia da confusão, a ex-senadora teve de alterar os hábitos para não ter de “trombar” com a noiva do ex-presidente: só visita Lula às sextas-feiras, na condição de advogada, e não mais às quintas, quando a “panelinha” de Janja costuma dominar o ambiente. Ninguém sabe ao certo o motivo da rusga. Em tempos de PTinder, há quem diga que Gleisi despertaria ciúmes em Janja. O fato é que não deu “match” entre as duas. Não só. O ex-senador Lindberg Farias (RJ) é outra persona non grata no PT que se curva aos desígnios de Rosângela da Silva. Em meio ao evento dos 500 dias da prisão de Lula houve um entrevero entre os dois. Lindbergh queria ser um dos que subiriam ao palco para proferir um discurso. Foi admoestado por Neudi, a pedido de Janja. “O Lind não vai discursar”, sentenciou Neudi, cumprindo ordens da nova primeira-dama.
Ao menos enquanto Lula estiver preso, será difícil saber até onde os desejos manifestados por Janja expressam as vontades de Lula. Pelo sim, pelo não, a maioria a respeita. A socióloga — todos concordam — faz de tudo para agradar o futuro marido. Desde que assumiram o noivado, ela passou a controlar até mesmo sua alimentação. Não deixa mais o petista se servir da comida da cadeia, embora seja de excelente qualidade — trata-se do mesmo cardápio dos delegados da Superintendência da PF. Agora, Lula só se alimenta da quentinha preparada por Eduardo, o dono do Empório Zambrano, restaurante instalado defronte o prédio da PF. Zambrano é casado com uma funcionária da PF e é querido por todos, Janja incluída. O que mais dá prazer a Eduardo é preparar o prato preferido do ex-presidente: bife a cavalo com ovos mal passados.
O fotógrafo Ricardo Stuckert, que também goza de prestígio no local, tem um prato com seu próprio nome. O recinto dedicado às refeições tem o sugestivo nome de “Espaço Marielle”. Os preços é que são meio salgados para os militantes: uma cerveja custa R$ 8. Mas como é Neudi quem assina as contas de Lula, com dinheiro do PT e das barraquinhas do MAB, não há problema algum. Janja também tem renda própria. Como funcionária da Itaipu Binacional, ela ganha R$ 17,5 mil por mês. Rosângela foi alçada ao cargo por Gleisi Hoffmann, quando ela era diretora financeira da estatal, cumprindo ordens de Lula, claro. Recentemente, os 142 funcionários de Itaipu em Curitiba foram transferidos pelo presidente Jair Bolsonaro de volta a Foz do Iguaçu, sede da estatal.
Janja segue lotada na estatal, mas não se sabe onde realmente ela presta expediente e durante quantas horas por dia. As horas ela conta para “poder viver seu amor” com Lula na plenitude. “Vou me casar virgem”, brincou o ex-presidente, ao lembrar que não pôde manter relações sexuais com a socióloga na cadeia. Janja não é mais virgem. Da política partidária.
Quem é a musa de Lula
• Rosângela da Silva, a Janja, de 52 anos, socióloga, é noiva do ex-presidente Lula desde abril deste ano, quando completou um ano de cadeia na sede da PF, em Curitiba
• Apaixonados, os dois pretendem se casar assim que o petista deixar a prisão
Foi em 2002, durante a caravana da cidadania pelo Paraná, na campanha para presidente, que Janja conheceu Lula
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