Nesta semana, nos dias 28 e 29, a especialista em inteligência artificial, Big Data, 5G e cibersegurança Lindsay Gorman esteve em São Paulo, a convite da missão diplomática dos Estados Unidos no Brasil, para fazer palestras na Associação Brasileira da Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (BRASSCOM), na Fundação FHC e na FGV, em São Paulo.
Formada em Física pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Lindsay trabalhou no Senado dos Estados Unidos, no Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca e na Academia Nacional de Ciências. Em entrevista a VEJA, falou sobre os avanços que serão conquistados com a nova rede e também sobre os desafios para se proteger a privacidade dos usuários.
Qual será o crescimento econômico com a rede 5G? É difícil falar em números exatos. O que sabemos é que, até 2025, teremos um volume extraordinário de dados conectados à internet. Informações pessoais de veículos, casas inteligentes, data centers, dentre outros. Veremos uma explosão exponencial. Nesse sentido, há um potencial para novos negócios que se especializam em processar, analisar e armazenar os dados.
Por que não podemos fazer o mesmo com a rede 4G? Atualmente, temos uma rede decente, que funciona em determinada velocidade. Com o 5G, haverá menores problemas de conectividade e alcançaremos velocidades maiores. Isso permitirá que a Internet das Coisas funcione de fato, pois controlaremos uma quantidade massiva de informações. Hoje pode ser devagar para transmitir um vídeo em tempo real. Em algumas redes funciona, noutras não. Contudo, com uma super conexão, você poderá fazer uma cirurgia remotamente, porque a imagem não será em duas dimensões, mas em três. Por isso precisamos de redes mais rápidas e potentes para suportar as aplicações mais pesadas. O mesmo é o que acontecerá com veículos autônomos. Serão milhares de imagens a serem processadas instantaneamente. Sem o poder computacional, não será possível chegar a tal patamar.
O Brasil deve começar a entrar no mercado em 2020. Estaremos atrasados? Há uma concepção errada sobre o 5G como uma corrida para ver quem chegará primeiro. Construir essas redes levará muito mais tempo do que se imagina. O importante é fazer do jeito certo, protegendo as informações e a privacidade das pessoas. Muitos dos avanços ainda estão sendo desenvolvidos. É uma preocupação falsa fazer a conta em meses, sendo que o desenvolvimento total acontecerá na próxima década.
Há muitos mitos sobre o 5G, inclusive acerca de o sinal ser prejudicial à saúde dos indivíduos. Com o que a população deve se preocupar de fato? Pelo ponto de vista da saúde, realmente são apenas mitos. E alguns governos tentam propagar informações falsas. A Rússia, por exemplo, tem uma campanha de desinformação, dessa linha. Há, no entanto, alguns riscos mais sinistros. Se não implementarmos o 5G da forma correta, quem controlar a infraestrutura terá acesso à informação que circula. Em países como nos Estados Unidos e no Brasil, a privacidade individual é importante. Com os dados coletados pela internet das coisas, saberemos que horas as pessoas vão dormir, o que elas consomem, quando elas chegam em casa, quanto tempo ficam no escritório, quando estão de férias. Tudo o que estiver disponível ficará armazenado em apenas um lugar e o dono da infraestrutura terá acesso a tudo.
Qual é o maior perigo nesse novo cenário? O risco é que o dono não seja alguém confiável. Por isso a discussão sobre os provedores é tão importante. Com os chineses, não há essa separação entre o governo e a iniciativa privada. A ideia de acesso às informações privadas somente com um mandado da justiça é algo em que as democracias se apoiam. Na era da informação, esse pilar será ainda mais necessário. Se temos uma empresa que é dona dessa infraestrutura e ela não respeita a regra, todas as informações da sua vida estarão vulneráveis. Esse é o maior risco.
Há receio em relação à China? Todos os softwares são vulneráveis. Por isso, quem desenvolver a rede do 5G vai saber onde estão as falhas. Se você consegue acessar o sistema, você pode tirar informações dali. É um risco inclusive para o roubo de propriedade intelectual. Convenhamos, a China rouba informações de todos os países. Esses chamados backdoors poderiam comprometer os dados. Além disso, os governos influenciam nas empresas que estabelecem a infraestrutura. A chinesa Huawei terá acesso às câmeras de vigilância, à iluminação pública, e eles poderão conceder tudo isso à China. Com a possibilidade de backdoors, se há 5% de provedores chineses, alguma fração da informação estará disponível. Se 40% dos provedores forem de países não democráticos, a vulnerabilidade aumenta. E assim por diante. A sociedade inteira poderia ser, digamos assim, desligada, por motivos geopolíticos. Se o único provedor for o chinês, esse cenário será preocupante porque dependeremos totalmente deles. Com o 5G, o monopólio é extremamente perigoso.
Quais são os desafios para os países em desenvolvimento? Por um lado, todos querem a tecnologia para a oportunidade econômica. Por outro, há riscos. O Estado precisa assumir o papel de subsidiar o custo para o investimento em infraestrutura. Há muitos benefícios para as áreas rurais, por exemplo. É preciso pensar em parcerias com o setor privado para que o 5G se desenvolva de forma segura.
O que está em jogo? Aí entramos no contexto ideológico entre democracias e governos autoritários. O aspecto técnico sobre a tecnologia é importante pela revolução da tecnologia, mas há uma questão de direitos humanos, de dignidade e de liberdades individuais. Essas questões não podem se perder em meio às discussões técnicas. Os governos têm que ser mais responsáveis com a população. Se formos no caminho contrário, poderá levar a abusos de direitos humanos. É importante entender que há um cenário maior. É uma competição entre ideologias, e que está dominando o campo tecnológico.
fonte:revista veja