STF decide pelo repasse de dados sigilosos sem aval da Justiça
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (28) por 8 votos a 3 autorizar o compartilhamento pela Receita Federal – sem necessidade de autorização judicial – de informações bancárias e fiscais sigilosas com o Ministério Público e as polícias – essas informações incluem extratos bancários e declarações de Imposto de Renda de contribuintes investigados.
Com a decisão, deixa de valer a liminar que, em julho, paralisou todos os procedimentos do país que compartilharam dados detalhados de movimentações consideradas suspeitas (entenda mais abaixo).
Com relação ao compartilhamento de dados do antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira, UIF), também houve maioria no julgamento a favor de permitir o compartilhamento. Mas, em razão do horário, a sessão foi encerrada, e o julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira (4) para a definição de uma regra de como isso será feito.
O julgamento, que se iniciou na semana passada, foi retomado na tarde desta quinta-feira. Foram cinco sessões de julgamento. Os ministros se reuniram para decidir quais seriam os limites a esse compartilhamento, ou seja, que tipo de documento poderá ser compartilhado e em quais situações o compartilhamento exigiria autorização judicial.
No dia anterior, havia se formado maioria (6 a 0) em relação ao compartilhamento de informações genéricas da Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf), da Receita Federal e do Banco Central. Nesse caso, o julgamento terminou com nove votos a favor do compartilhamento e dois contra.
Especialista analisa decisão do STF pelo repasse de dados sigilosos
Maioria sobre a Receita
Nesta quinta-feira, o tribunal decidiu autorizar o compartilhamento de informações detalhadas (extratos bancários e declaração de Imposto de Renda, por exemplo), no caso específico da Receita.
No caso da Receita, os ministros entenderam que auditores podem encaminhar, junto com a representação fiscal para fins penais, também documentos relacionados, como extratos bancários e declaração de Imposto de Renda.
Embora os ministros admitam o compartilhamento, houve divergência entre o relator Dias Toffoli e os demais em relação aos dados da Receita Federal e do antigo Coaf.
Desde que o julgamento se iniciou, na semana passada, votaram a favor do compartilhamento das informações sigilosas da Receita Federal sem necessidade de autorização judicial oito ministros:
- Alexandre de Moraes
- Edson Fachin
- Luís Roberto Barroso
- Rosa Weber
- Luiz Fux
- Cármen Lúcia
- Gilmar Mendes
- Ricardo Lewandowski
O ministro Dias Toffoli impôs restrições ao compartilhamento em seu voto. Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram contra o compartilhamento sem autorização judicial.
Com o entendimento do plenário, cai a decisão de Toffoli tomada após um pedido do senador Flávio Bolsonaro, e todas as investigações e processos paralisados no aguardo da decisão definitiva do STF sobre o tema podem voltar a tramitar – segundo o Ministério Público Federal, ao menos 935 casos estavam parados.
O pedido do senador foi feito dentro de um recurso apresentado por donos de um posto de gasolina em São Paulo. Investigados, eles tiveram informações fiscais compartilhadas pela Receita com o Ministério Público.
Foi esse recurso que os ministros julgaram, especificamente, na sessão. A defesa de Flávio Bolsonaro afirmou que, a exemplo dos donos do posto, o Ministério Público do Rio de Janeiro teve acesso às informações fiscais dele sem autorização judicial.
No caso dos donos do posto, o Supremo decidiu anular a absolvição deles na segunda instância da Justiça Federal de São Paulo, restabelecendo a condenação de primeira instância.
Assim, eles poderão recorrer novamente da condenação. Os ministros entenderam que o Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) não poderia ter anulado as provas da Receita obtidas contra eles pelo MP.
Como o pedido inicial questionava especificamente dados repassados pela Receita Federal, os ministros discutiram se o antigo Coaf deveria ter sido objeto do julgamento. Ao final, decidiram que o órgão também será incluído na tese geral a ser aprovada na próxima sessão.
Até agora, a maioria dos ministros concluiu que as informações compartilhadas pela UIF (antigo Coaf) não são “sensíveis”. Por isso, o envio pode continuar a ser feito como antes da liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli em julho. Na liminar, Toffoli sugeriu que somente informações genéricas sobre a movimentação bancária fossem repassados.
O presidente do STF havia votado por impor restrições aos dados da Receita. Já sobre o Coaf, o ministro votou no sentido de não permitir a requisição pelo Ministério Público de informações sobre quem não é investigado nem o envio por e-mail desses dados, que, segundo ele, não podem servir como prova judicial. Esse entendimento foi seguido apenas pelo ministro Gilmar Mendes.
Ministros que votaram nesta quinta (28)
O decano (mais antigo ministro) da Corte, Celso de Mello, foi o último a votar. Ele se pronunciou contra o compartilhamento de dados da Receita com investigadores sem autorização judicial.
Para Celso de Mello, o poder investigatório do Estado não o exime do dever de preservar o sigilo bancário, “sob pena de os órgãos governamentais incidirem em total desrespeito as garantias totalmente asseguradas aos contribuintes e às pessoas em geral submetidas ou sujeitas à persecução penal”.
O ministro afirmou que a UIF se limita a receber informações financeiras e a promover o intercâmbio desses dados sensíveis. Por isso, é possível o compartilhamento.
“Considero legítimo o compartilhamento do que se contiver em seus relatórios de inteligência financeira para fins de natureza penal, recaindo sobre o MP o dever de preservar o sigilo de tais dados.”
O ministro também criticou a inclusão do tema Coaf no julgamento. “A análise deve se restringir aos limites temáticos da repercussão geral”, afirmou.
Marco Aurélio Mello divergiu dos demais ministros entendendo que o compartilhamento de dados da Receita exige autorização judicial.
“Se diz que há de se combater a corrupção. Sim, há de se combater a corrupção. Em todas as modalidades existentes. Mas tendo presente que, em direito, o meio justifica o fim, e não o fim o meio, sob pena de se construir uma Praça dos Três Poderes e um paredão, e passarmos a fuzilar os que forem acusados de terem causado algum dano ao setor público”, afirmou o ministro.
O ministro afirmou ainda que o processo se tornou “momentoso” em razão de duas liminares, a concedida a pedido do senador Flávio Bolsonaro e a outra que estendeu a um “sem número de procedimentos criminais no país”, “prejudicando-se a jurisdição na área da persecução penal”.
Para o ministro Gilmar Mendes, não devem ser estabelecidas restrições a documentos como declaração de Imposto de Renda e extratos bancários pela Receita a investigadores.
“Só poderão ser para compor indícios de materialidade no estrito âmbito dos crimes contra a ordem tributária”, afirmou o ministro.
Segundo ele, “poderão ser acompanhados de dados detalhados ou quaisquer outros documentos desde que isso seja imprescindível para caso correlato”.
“Partindo do pressuposto de que a autoridade fiscal deve repassar ao Ministério Público todas as informações imprescindíveis para viabilizar a ação penal (…), considero temerário estabelecer de forma taxativa quais informações podem ou não constar da representação fiscal para fins penais”, disse.
Já sobre os dados do antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Fiscal, UIF), o ministro acompanhou o voto do ministro Dias Toffoli, afirmando que os dados podem ser compartilhados, mas o Ministério Público não pode encomendá-los.
“Não podem requisitar ao Coaf o detalhamento de contas bancárias e quaisquer outras informações que não tenham sido informadas”, disse.
O ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou o ministro Alexandre de Moraes em relação aos dados da Receita Federal, favorável ao compartilhamento com o MP, incluindo extratos bancários.
Para Lewandowski, a Receita pode transferir informações sigilosas e isso, segundo ele, não representa quebra de sigilo.
“Não se está falando de prova obtida ilegalmente ou de quebra indevida por parte da Receita, eis que tudo se processou de acordo com a lei, em conformidade com as cautelas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou o ministro.
Lewandowski, no entanto, não se manifestou sobre a legalidade do repasse de informações da Unidade de Inteligência Fiscal (UIF, antigo Coaf) para órgãos de investigação.
A ministra Cármen Lúcia votou a favor do compartilhamento de todos os dados pela Receita Federal com órgãos de investigação sem autorização judicial.
“Não cogito ilegalidade ou abuso, mas de mero dever todas as informações que te tenha tido acesso ao Ministério Público”, disse a ministra.
Cármen Lúcia afirmou que, sem o compartilhamento completo de informações, haverá a “fragilização” das investigações criminais. “Sem as fontes financeiras encaminhadas ao MP, sobre opinião da existência ou não do crime, o combate a todas as formas, das mais simples às mais sofisticadas, de práticas criminosas, envolvendo grandes organizações internacionais, seria ineficaz.”
Sobre o antigo Coaf, a ministra afirmou que o órgão (atual Unidade de Inteligência Fiscal, UIF) não é órgão investigativo. Por isso, segundo ela, não pode haver restrição no compartilhamento de dados.
“A base de dados da Unidade de Inteligência Financeira não é objeto de compartilhamento com outro órgão, não se podendo arguir quebra da privacidade”, afirmou Cármen Lúcia. “Assim, o envio de dados ao MP é função legalmente a ela conferida. Não pode ser considerado irregular nem restringida.”
A ministra disse ainda que, em nenhuma das instâncias, foi discutida a questão do Coaf, somente da Receita. “Não houve amadurecimento do que tem sido a razão de ser da repercussão geral”, afirmou. “Estaremos inaugurando matéria que não foi tratada nas instâncias próprias.”
g1