Em 2020, o Brasil conseguiu reverter parcialmente no Fórum Econômico Mundial os estragos que o governo provocou na imagem nacional ao longo do último ano. Mas não por causa do presidente. Com a ausência de Jair Bolsonaro, o palco de Davos foi tomado por dois rivais que representaram uma visão menos extremista e mais positiva em relação ao Brasil: o governador João Doria e o apresentador Luciano Huck. Desta vez, o governo foi representado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, que é tradicionalmente bem acolhido entre os empresários e investidores pela sua agenda liberal. Isso, apesar das crises do governo Bolsonaro.
“O Brasil tem uma democracia que funciona, e os investidores precisam ter clareza disso” Paulo Guedes, ministro da Economia
Aos olhos do mundo, Doria e Huck representam uma nova face da política brasileira. E são presença quase certa nas próximas eleições presidenciais. O Fórum, realizado anualmente na Suíça, antecipa tendências mundiais, aponta o caminho que os países desejam seguir e apresenta novos líderes no cenário mundial. O governador de São Paulo, como fez em seus sete roadshows internacionais em 2019, procurou reforçar os laços com investidores e buscar novos projetos para o estado. O sucesso nessa área é uma de suas principais bandeiras, já que a economia estadual avançou 3% em 2019, bem mais do que o resto do País. Comemorou anúncio de R$ 17,2 bilhões em investimentos ao longo de 34 encontros bilaterais — foram 24 na edição passada — e participou de dois painéis. É o terceiro ano seguido que participa como convidado do evento. Entre os projetos confirmados por Doria estão a expansão em Lençóis Paulista (SP) da Bracell, empresa produtora de celulose do Grupo RGE, num investimento de R$ 1 bilhão, e os planos da Neoenergia, companhia do grupo espanhol Iberdrola, que investirá R$ 9 bilhões em cinco anos no estado —a companhia planeja aplicar R$ 30 bilhões no País nesse período. Como o governador busca integrar o estado a iniciativas internacionais, também celebrou a adesão da biofarmacêutica global AstraZeneca ao Centro da 4ª Revolução Industrial, que será instalado na capital em parceria com o próprio Fórum Econômico Mundial, durante a edição latino-americana do Fórum que acontece de 28 a 30 de abril. Esse centro, que também tem o apoio do governo federal, ficará no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em região anexa à USP. Outra empresa que se comprometeu com esta iniciativa é a Qualcomm, para a infraestrutura da rede 5G.
A nova política
Já o apresentador Luciano Huck escolheu a dedo três tópicos para apresentar: Amazônia, redução da desigualdade e promoção de novas lideranças. Em uma plateia lotada com 40 executivos, narrou o caso de personagens de seu programa, que lutam contra a pobreza a violência. Como a preservação da Amazônia é um assunto vital, inclusive na Suíça, defendeu o desenvolvimento sustentável e criticou o aumento das queimadas, assim como o fato de o governo ter procurado esconder o problema. “Cerca de 90% do desmatamento é ilegal”, apontou. Segundo ele, o Brasil fez importantes avanços para reduzir a pobreza desde os anos 2000, mas a desigualdade permaneceu alta. Essa é a fonte dos problemas na América Latina. Acrescentou que os governantes estão diminuindo a cooperação multilateral em direção ao nacionalismo e protecionismo reacionário. O apresentador destacou ainda seu envolvimento com os movimentos Agora e RenovaBR para a formação de uma nova geração de líderes. “Vamos começar a reescrever a história do País em 2020, primeiro reconhecendo nossos problemas mais difíceis, e depois impulsionando nossa tremenda criatividade, realizações científicas e expertise.” Associar sua imagem a uma nova política, na defesa do meio ambiente, contra a desigualdade e em contraposição ao governo federal é a melhor estratégia de Huck para se posicionar no cenário nacional.
É praticamente consenso entre os empresários que o País está numa rota econômica mais promissora, com a Reforma da Previdência aprovada e o rombo fiscal equacionado. O avanço da agenda reformista e da abertura da economia para o exterior, eixo da política do ministro da Economia, trouxe mais confiança e indica que o País finalmente por ter entrado em uma rota de desenvolvimento sustentável. Com isso, os investidores mostraram este ano maior interesse pelo Brasil. “Acredito que a estabilidade em todas as áreas foi uma das coisas mais importantes e positivas que aconteceram no Brasil”, disse Ignacio Galán, CEO da Iberdrola.
Guedes teve encontros com vários executivos como Tim Cook (Apple), Brad Smith (Microsoft), Axel Weber (UBS), Ryan McInerney (Visa), Dara Khosrowshahi (Uber), Hu Houkun (Huawei) e Mark Machin, presidente do fundo de pensão canadense CPP Investment Board. Os grupos globais de energia demonstraram interesse especial pelo País. Mas, ao invés de celebrar o interesse internacional, o ministro foi duramente escrutinado. A melhora do ambiente econômico não atenuou o fato de que o País foi visto no exterior nos últimos 12 meses de uma forma bastante negativa pelo mundo, em um cenário ainda altamente polarizado. O governo Bolsonaro teve sua imagem calcinada com o avanço das queimadas, o discurso antiambiental, os ataques aos líderes internacionais e à imprensa e, para completar o quadro vexaminoso, a repercussão da propaganda nazista de seu ex-secretário da Cultura.
Respondendo às crises
O ministro da Economia soube do vídeo protonazista e sua repercussão desastrosa quando estava nos EUA para apresentar uma palestra na Mont Pelerin Society, uma organização de defesa do liberalismo fundada por Milton Friedman, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Contra o evidente desgaste em Davos, procurou trazer uma mensagem de “força institucional” do País. Afirmou que “a mais recente demonstração de que nossa democracia está fortalecida foi a rápida decisão do presidente Bolsonaro de demitir o secretário [Roberto Alvim]”. Para o ministro, o discurso de brasileiros que se opõem ao governo transmitiu uma ideia “errônea” aos investidores. “Vou apresentar os números. O Brasil tem uma democracia estável, pujante e que funciona, e os investidores precisam ter clareza disso”, afirmou.
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