O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu anular a delação premiada do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
Sete dos 11 ministros votaram para revogar a decisão que homologou a colaboração do ex-chefe do Executivo fluminense —entre eles Dias Toffoli, que foi citado na delação. Os outros quatro integrantes da corte divergiram.
No acordo firmado com a Polícia Federal, Cabral citou políticos e magistrados que teriam participado de esquemas de corrupção. Entre eles, acusou Toffoli, do Supremo, de vender sentençasem julgamentos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O ministro Edson Fachin havia homologado a delação do político em fevereiro de 2020. A PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou recurso e pediu a anulação da decisão do magistrado por ausência de aval da Procuradoria para o acordo da PF.
Depois que veio à tona o pedido da polícia para investigar Toffoli, revelado pelo Painel, da Folha, Fachin submeteu o recurso da PGR ao plenário
Além disso, Fachin arquivou a solicitação da PF para apurar a conduta de Toffoli sob o argumento de que a PGR pediu o encerramento do caso e que a jurisprudência atual determina que a manifestação da Procuradoria seja seguida nesses casos.
Toffoli diz não ter conhecimento dos fatos mencionados e afirma que jamais recebeu os supostos valores ilegais. Por meio da assessoria, o magistrado também refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções.
O ex-secretário do Rio de Janeiro Hudson Braga, que, segundo Cabral, teria feito os pagamentos, negou ter operacionalizado qualquer repasse ao ministro do STF para que ele favorecesse dois prefeitos fluminenses em processos no TSE.
Por meio de nota do advogado Roberto Pagliuso, a defesa do ex-secretário também afirmou que Cabral “tenta se safar de suas responsabilidades alterando suas estratégias: ora negou os fatos, ora adotou manobras processuais e depois de ver a consolidação de suas penas, resolveu, por desespero, criar fatos para viabilizar sua colaboração premiada”.
O julgamento sobre a validade da delação de Cabral ocorre no plenário virtual do Supremo, que vai até as 23h59 desta sexta-feira (28). Embora todos os ministros já tenham votado, até lá é possível haver mudança de posição, embora seja incomum ocorrer algo desta natureza.
Fachin, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux votaram para invalidar a colaboração premiada do ex-governador.
Primeiro a votar, Fachin, relator do caso, levantou uma questão preliminar de que a homologação deveria ser derrubada por haver necessidade de anuência da PGR para delação ter efeito. Caso ficasse vencido nesse ponto, o ministro afirmou que seria favorável à colaboração de Cabral.
Outros cinco ministros, porém, apesar de apresentarem outros argumentos, concordaram com a questão preliminar e, na prática, formaram maioria para anular a delação.
Fux, por exemplo, nem sequer entrou no mérito do caso e apenas acompanhou o relator para afirmar que delações da polícia sem aval da PGR não têm validade. Só os dois, porém, defenderam a revogação da decisão de 2018 que deu poderes amplos para a PF firmar acordos de colaboração.
Toffoli seguiu a mesma linha e disse que, apesar de não se posicionar sobre o mérito, era a favor dos argumentos de Fachin.
“A conclusão a que chega o relator, que estou a subscrever, no sentido de que a manifestação favorável do Ministério Público ao acordo –quando dele não for parte–, é condição para sua homologação”, escreveu.
Já Gilmar, Lewandowski, Moraes e Kassio concordaram que o acordo de Cabral não poderia ser validado porque a PGR foi contra, mas não deram efeito amplo a essa tese e não fixaram regra para cassar a atribuição da PF em delações.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio, Cármen Lúcia e Rosa Weber divergiram e ficaram vencidos.
Em relação aos poderes da polícia, não há maioria formada em nenhum sentido, nem contra nem a favor de a corporação fazer acordo de colaboração.
A tendência é que seja mantida a jurisprudência fixada em 2018 que concedeu essa competência à PF.
Gilmar defendeu que a colaboração de Cabral não atende aos padrões mínimos exigidos em lei para ser validada e que não há elementos de sua eficácia.
O ministro também indicou a necessidade de instauração de investigação para apurar possível abuso de autoridade e violação de segredo profissional do delegado que pediu o inquérito contra Toffoli. A delação do ex-governador foi conduzida pelo delegado Bernardo Guidali, do Serviço de Inquéritos Especiais da PF.
Moraes afirmou que a delação de Cabral não cumpre os requisitos legais necessários.
“Em razão dos fatos apontados pelo agravante serem robustos no sentido de que o interessado, ora agravado, violou, por mais de uma vez, os deveres anexos da boa-fé objetiva, entendo que o acordo de colaboração premiada firmado não satisfaz os critérios legais do negócio jurídico processual.”
O único a não apresentar seu voto foi Kassio, que se limitou a anunciar que estava de acordo com a posição de Gilmar.
Barroso, por sua vez, votou para manter o acordo do ex-governador e o poder da polícia de firmar delações, devendo, segundo o ministro do STF, o juízo competente analisar caso a caso quem será alvo de inquéritos frutos da colaboração.
Cármen seguiu a mesma linha, mas ponderou que “o acordo de colaboração premiada não significa o reconhecimento de veracidade de qualquer das declarações prestadas pelo colaborador”.
“Não há como afirmar, neste momento processual, a inadequação do acordo de colaboração para o alcance dos resultados previstos no art. 4º da lei 12.850/2013. Trata-se de questão a ser decidida em momento processual adequado, após apreciação do material probatório obtido pela colaboração premiada”, afirmou a ministra.
Relator da Lava Jato no Supremo, Fachin homologou a delação de Cabral à PF em fevereiro do ano passado. A PGR recorreu e pediu para o Supremo invalidar o acordo com o ex-governador.
É este recurso da PGR que foi analisado pelo plenário do Supremo, julgamento realizado na modalidade virtual, com a inclusão dos votos dos ministros no sistema.
Na delação, Cabral afirma que Toffoli recebeu R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos fluminenses em processos no TSE. Toffoli foi ministro da corte eleitoral de 2012 a 2016, presidindo-a de maio de 2014 a maio de 2016.
Os pagamentos, de acordo com Cabral, teriam sido realizados nos anos de 2014 e 2015 e operacionalizados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do Rio de Janeiro. Os repasses, na versão do delator, teriam envolvido o escritório da esposa de Toffoli, a advogada Roberta Rangel.
Polícia e Procuradoria têm uma disputa antiga sobre colaborações premiadas. A PGR costuma afirmar que a PF não pode firmar um acordo de delação sem a participação do Ministério Público.
O Supremo, porém, decidiu em 2018, com oito votos favoráveis, que a polícia pode, sim, celebrar acordo com delatores, independentemente do aval do Ministério Público.
No recurso apresentado ao Supremo sobre o caso de Cabral, a PGR pediu a invalidação do acordo, entre outros argumentos, sob a justificativa de que há “fundadas suspeitas” de que Cabral continua ocultando valores recebidos de forma ilícita e que isso viola “a boa-fé objetiva” da delação.
com informações :Folha