Pensar em viver no Brasil, muitas vezes, é sinônimo de verão escaldante, calor, praias maravilhosas e muito sol.
O sol, no entanto, pode ser o grande vilão no dia a dia de portadores de xeroderma pigmentoso, (XP).
A doença é genética de herança recessiva, cujo defeito se dá na reparação do DNA, como explicou à CNN Mauro Yoshiaki Enokihara, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Isso quer dizer que pessoas com xeroderma pigmentoso não conseguem absorver de forma ordenada a radiação ultravioleta (UV), e quando são expostas à luz solar, os raios UV causam alterações de sensibilidade na pele, queimaduras, lesões e consequentemente um aumento do risco de câncer de pele — chegando a mil vezes em relação à população geral.
Em pessoas sem a doença, os genes são responsáveis por incentivar a produção de proteínas reparadoras do DNA, causadas pelos raios UV ou Solou até de lâmpadas comum das casas.
Já nos portadores de XP, há deficiência nessas proteínas que não são produzidas e corrigindo as lesões no DNA, como explicou à CNN a bióloga Ligia Pereira Castro, pesquisadora e especialista em xeroderma pigmentoso.
“O XP ocorre quando dois alelos mutados em um mesmo gene, um da mãe e um do pai, são transmitidos juntos para o filho. No filho, essas duas cópias de gente mutado causam um problema para proteínas que têm função de reparar nosso DNA. As manifestações da síndrome ocorrem quando a pessoa com XP é exposta aos raios UV sem proteção”, disse.
Além das partes expostas do corpo, o olho é uma região muito afetada, ficando hipersensível quando exposta e muito mais propensa ao aparecimento de tumores que causam cegueira e até a remoção do órgão.
A patologia não é contagiosa e é rara. Até 2020, a estimativa era de aproximadamente 200 pacientes XP no Brasil, o que representaria um caso por milhão de habitantes.
Contudo, essa frequência é ainda maior na região ensolarada e tropical de Araras, em Faina, (GO), que tem incidência de um a cada 410 habitantes.
Uma dessas pessoas é Alisson, jovem de 19 anos que foi diagnosticado com xeroderma pigmentoso ainda muito novo.
“Ele era bebê, ficava exposto, brincava um pouco no sol e já apareciam bolhas, queimaduras enormes. Foi quando eu desconfiei que havia algo errado”, disse Gleice Machado, que é mãe de Alisson e hoje, presidente da Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (AbraXP).
Apesar de altas temperaturas causarem lesões mais graves, Yoshiaki Enokihara explica que o que influencia de fato é o tempo de exposição.
“O problema não é a temperatura, mas sim a insolação, pois o defeito está na pele não conseguir absorver a radiação UV”, comenta o presidente da SBD.
Desde que recebeu o diagnóstico do filho, Gleice passou a dedicar-se a ajudar pessoas com XP no município de Araras, e depois em todo Brasil.
A AbraXP atua junto à União, estados e municípios, Ministério da Saúde, previdência social e outros órgãos públicos ou privados, visando assegurar a todos o tratamento e o fornecimento de medicamentos com qualidade e segurança, bem como, os direitos e garantias previdenciários.
Uma questão além da genética
Em um estudo de 2017, um grupo de pesquisadores identificou quais eram as mutações nos genes que atingiram o povoado de Araras.
Em 2020, cientistas brasileiros descobriram que uma dessas mutações chegou ao país por conta da colonização europeia, há cerca de 200 anos.
“O legado genético ibérico em uma comunidade isolada no Brasil central, onde uma mutação no gene POLH é responsável por vários pacientes afetados pela síndrome XP. […] Portanto, os dados indicam que há aproximadamente 200 anos, uma rara mutação genética no POLH atravessou o Oceano Atlântico e chegou à costa brasileira. Este é um exemplo interessante do impacto das migrações humanas e eventos demográficos (como efeitos fundadores e endogamia) ocorridos durante a colonização histórica do Brasil na incidência de doenças genéticas”, escreveram.
Ela explica que existem níveis diferente de XP. “Existem oito tipos de XP, que vão de XP-A até o grupo XP-G, e a variante XP-V. No Brasil, a maioria das pessoas já diagnosticadas clínica e geneticamente fazem parte do grupo XP-C e XP-V.”
A doença também pode ser dividida em grau, já que os tipos de XP se manifestam de forma diferente, segundo a cientista.
“É comum entre as pessoas que são XP-C, logo nos primeiros anos de vida, relatarem muita sensibilidade dos olhos ao sol. Não conseguem nem abrir o olho quanto estão em muita claridade. Diferente das pessoas XP-V, por exemplo, que não desenvolvem fotofobia extrema”, explica Ligia.
As descobertas da equipe, no entanto, não se limitaram a saber a origem das mutações. Os pesquisadores descobriram que a alta taxa de incidência em Araras acontece porque há casamento entre pessoas da mesma família.
“A alta incidência da doença no povoado se dá por conta dos casamentos consanguíneos e do isolamento geográfico da localidade. Temos um caso em que 50% do cromossomo de uma criança é igual ao de seu tio-avô, ambos com a doença. Isso ocorre porque não houve recombinação. Ou seja, são três gerações de relações entre primos”, escreveram
Restrições ao sol
A exposição à luz solar por muito tempo já causa incômodo e queimaduras regulares em indivíduos que não tem a mutação genética, nos portadores de xeroderma pigmentoso isso pode ser ainda pior.
“Eu sinto como se estivesse no inferno, ou quase isso”, disse João Vitor Bernardis (15), portador de xeroderma pigmentoso.
Por se tratar de uma doença rara incurável e tendo como maior inimigo o sol, vivendo num país tropical, pessoas com XP devem ter o dobro de cuidados.
“Uma vez eu fui num passeio da escola e minha pele caiu. Foi a pior queimadura que tive”, disse João.
Yoshiaki Enokihara diz que existem variantes de XP, formas mais leves e mais agressivas. “Nestes indivíduos, se as lesões atingirem as camadas mais profundas da pele, tipo hipoderme – tecido gorduroso — há queimaduras de 3º grau que podem deixar cicatrizes permanentes”, explica.
Em situações mais graves, os portadores de xeroderma pigmentoso são submetidos a cirurgias de reconstrução da pele, imunoterapias e uma série de tratamentos que amenizam, mas não curam a doença.
fonte :cnn