A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que resultou na prisão da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal mostra que a tropa liderada pelo major Flávio Silvestre de Alencar, alvo da operação da PF nesta sexta-feira (18),estimularam o ingresso de bolsonaristas radicais no Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro.
“Caso Flávio tivesse formado uma barreira de proteção de acesso com o destacamento do Batalhão de Choque sob seu comando, os resultados lesivos teriam sido evitados ou, pelo menos, sensivelmente minimizados”, diz denúncia.
O major Flávio Silvestre Alencar está preso desde o dia 23 de maio. Mensagens de texto encontradas pela operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, mostram que o militar pediu para que policiais deixassem os manifestantes invadirem o Congresso Nacional antes do dia 8 de janeiro.
Sinalização para prosseguir com a invasão
Vídeo mostra PMs liberando passagem para vândalos em Brasília
O documento da PGR diz ainda que os militares chegaram a sinalizar para que os radicais prosseguissem com a invasão. Segundo o relatório, a equipe de Flávio Silvestre “detinha capacidade de impedir os danos ocorridos especificamente dentro do Congresso Nacional”.
“Seus homens estimularam o ingresso de mais insurgentes que, momentos depois, depredariam o Congresso Nacional”, aponta relatório.
Ainda segundo o relatório, o então comandante da Polícia Militar Fábio Augusto Vieira recebeu uma solicitação de reforço do policiamento pelo diretor do Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados. A PGR aponta que a solicitação só foi atendida uma hora e meia depois.
Já um dia antes dos ataques, o coronel Klepter Rosa Gonçalves, então subcomandante-geral, “determinou o emprego de efetivo insuficiente da PMDF”, em conjunto com outros oficiais da cúpula da corporação.
Do lado de fora do STF, um policial que tentava conter a invasão dá um soco em um vândalo — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Além da atuação de Flávio, a PGR também citou ações tomadas pelo tenente Rafael Martins, outra alvo da ação desta sexta. Segundo a denúncia, o oficial “desestruturou a linha de contenção e retirou seus homens, que assistiram inertes ao avanço dos vândalos ao Supremo Tribunal Federal (STF).”
“Rafael Pereira Martins e o efetivo que comandava permaneceram inertes, permitindo a concretização do ataque ao órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro”, aponta o relatório.
Na análise da PGR, a posição de comando “não é mero poder ou faculdade”. Segundo o documento, o chefe militar tem responsabilidades e atribuições.
“Quem se encontra em posição de comando não está autorizado a simplesmente deixar a tropa à própria sorte” diz a denúncia
Segundo a PGR, o comandante policial militar “deve dirigir os integrantes da corporação para que se ponham a cumprir os misteres constitucionais e legais da PMDF de ‘preservação da ordem pública’ e de garantia do ‘livre exercício dos poderes constituídos”‘.
‘Pior formação e menos experiência’
O documento cita ainda que a Polícia Militar determinou o emprego de “200 homens com a pior formação e a menor experiência” para atuar em campo no dia 8 de janeiro. Segundo a denúncia, os policiais ainda estavam no Curso para Formação de Praças.
Nesse curso, os militares recebem instruções básicas para que possam atuar como soldados, “a mais baixa patente da carreira”, diz o texto.
“Tratava-se de um efetivo de 200 homens e mulheres sem qualquer experiência policial, postos de maneira covarde pelos mais altos oficiais da PMDF para conter milhares de insurgentes dispostos a confrontos físicos”, afirma a denúncia.
Polícia Federal em frente à casa do comandante-geral da PMDF, Klepter Rosa — Foto: Michele Mendes/TV Globo
A Operação Incúria é resultado da denúncia que o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos da PGR, coordenado pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, ofereceu nesta semana ao Supremo Tribunal Federal.
Segundo a PGR, a cúpula da PM deixou de agir para impedir o vandalismo contra as sedes dos Três Poderes em razão do alinhamento ideológico com os manifestantes golpistas.
- Coronel Klepter Rosa Gonçalves, atual comandante-geral da PM do DF; veja foto);
- Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional da PM;
- Coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, ex-chefe interino do Departamento de Operações (DOP) da PM;
- Coronel Jorge Eduardo Naime; ex-chefe do Departamento de Operações (DOP) da PM, que estava de folga no dia dos ataques;
- Major Flávio Silvestre de Alencar, comandava o 6º Batalhão da PMDF, responsável pela Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios;
- Tenente Rafael Pereira Martins, atuou no dia dos atos antidemocráticos;
- Coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PM do DF, de folga no dia dos ataques.Investigação
Ao longo de sete meses de investigação, a PGR descobriu que os PMs começaram a trocar mensagens com teor golpista e a difundir informações falsas antes do segundo turno das eleições presidenciais do ano passado.
A PGR verificou ainda que a PM do DF acompanhava as movimentações no acampamento golpista montado nos arredores do Quartel General do Exército, em Brasília.
Os procuradores têm indícios de que a cúpula da PM infiltrou agentes de inteligência entre esses manifestantes para obter informações e que tinha plena consciência da magnitude e da gravidade dos atos que estavam sendo planejado para 8 de janeiro.
Os documentos e as trocas de mensagens obtidas pela PGR contrariam a versão apresentada pelos integrantes da cúpula da PM do DF, de que o sistema de inteligência do DF falhou ao não avisar a corporação sobre o risco de invasão dos prédios dos Três Poderes.
G1