O calor, a seca e a incidência da doença greening nas lavouras de laranja estão fazendo com que a fruta e o suco mantenham preços elevados. Os estoques da bebida já estão tecnicamente zerados, aponta a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR).
No armazenamento ideal, o volume de suco deve ser o suficiente para durar nas épocas em que não há colheita, período de cerca de 4 meses. Quando a conta não bate, já é considerado estoque tecnicamente zerado, explica Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR.
O último levantamento feito pela instituição foi em dezembro e divulgado em março. Nele, o volume era de 463.940,92 toneladas, o segundo pior da série histórica iniciada em junho de 2011. O pior volume foi também em 2023, em junho, com 84.745 toneladas.
As estimativas da CitrusBR são sobre a bebida enviada para engarrafamento no exterior. Portanto, em caso de estoque zerado, faltariam novos volumes para serem embalados, mas o que já foi para a indústria ainda poderia ser encontrado no mercado.
Não existe um levantamento dos estoques de sucos engarrafados aqui no Brasil, uma vez que muitas empresas fazem o produto a partir da sua própria plantação.
O baixo volume é causado pela quantidade de frutas. A safra de laranja 2024/2025 no Brasil deve ser a pior em 36 anos, com cerca de 232 milhões de caixas, uma queda de 24% em relação à última colheita, aponta o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus).
Apesar dos dados, isso não significa que não haverá laranja ou suco da fruta no mercado. Mas, com a escassez da fruta, a indústria já compete com os consumidores e o preço continua a subir.
Em julho, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) mostrou que os sucos de frutas (não é feita uma discriminação por sabor) ficaram 7,46% mais caros nos últimos 12 meses. Já o preço da laranja pêra, a mais popular, subiu 41,12% no mesmo período. A baía foi a que mais encareceu: 43,50%. A alta da laranja lima foi de 40,79%.
O preço para a indústria também subiu: em julho, a alta foi de 80% na comparação com o mesmo mês em 2023, apontam dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/ Esalq – USP).
Entenda a seguir qual o cenário atual do mercado de laranja e quais as perspectivas para o futuro.
O estoque de suco pode zerar?
Os estoques de suco de laranja podem zerar ao fim da safra 2024/2025, aponta uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq – USP).
Segundo Fernanda Geraldini, pesquisadora de frutas da equipe de hortifrúti do Cepea, a concretização desse dado depende de alguns fatores: o volume de frutas negociado e das vendas para a indústria.
“Mas é bem difícil que não tenha esse cenário de estoque zerado ou em níveis praticamente zerados”, afirma.
Mesmo com a previsão, já é possível dizer que o armazenamento está tecnicamente zerado, afirma o diretor-executivo da CitrusBR.
O cenário atual é de uma demanda superior à oferta e de competição entre a indústria e o consumidor final pela fruta in natura, segundo Geraldini.
No estado de São Paulo, maior estado produtor do Brasil, cerca de 80% da safra vai para a indústria. Caso não seja o suficiente para o setor, os 20% que sobram vão ser alvo de grande concorrência, aponta.
Com a alta do preço do suco de laranja, o consumidor já começou a considerar outras opções de compra, como outros diferentes; assim a demanda do produto vem caindo, aponta Andres Padilla, analista do mercado de suco de laranja do Rabobank, que presta consultoria.
De mesmo modo, os engarrafadores vêm apostando em formulações que usem menos laranja, por exemplo, adicionando suco de maçã.
Apesar deste movimento já ter se iniciado, a demanda ainda é maior que a oferta, “ou seja, a quantidade de suco produzida não é suficiente para atender o mercado global”, afirma Netto.
Segundo o diretor-executivo da CitrusBR, as preocupações do setor são duas:
- em que momento a queda da demanda vai estabilizar;
- com menos laranja sendo adicionada aos sucos, a compra do produto brasileiro pela indústria internacional também deve cair.
Atualmente, os grandes consumidores da laranja brasileira são a União Europeia e os Estados Unidos, explica Padilla.
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Calor e seca como inimigos da laranja
As ondas de calor que aconteceram no segundo semestre de 2023 foram a principal razão para a atual quebra de safra da laranja, diz Geraldini.
É neste período do ano que ocorrem as floradas do pomar e que a quantidade de frutas que vão surgir acaba sendo definida.
Além do calor, as chuvas foram abaixo da média no período, prejudicando esse desenvolvimento.
O pesquisador Vinicius Trombin do Fundecitrus explica que, para uma boa safra de laranja, o cultivo precisa das situações abaixo:
- primeiro, um período sem chuvas para causar o chamado estresse hídrico, fazendo com que a planta acumule energia;
- depois, chuvas, para provocar o florescimento;
- durante cerca de 2 meses após o florescimento, as temperaturas não podem ser superiores a 35°C, principalmente, por mais de um dia consecutivo.
Caso as altas temperaturas perdurem por vários dias, a planta entra em um desequilíbrio hormonal, um segundo estresse hídrico. E, para o pé sobreviver, irá abortar os frutos. Foi o que aconteceu nesta safra.
“Nós tivemos 11 dias de temperaturas acima de 35°C e a média do Cinturão Citrícola ficou em 37°C”, aponta Trombin.
O Cinturão Citrícola abrange municípios de São Paulo e Minas Gerais.
O resultado foi uma queda de 29% no número de frutos por área na região. Por outro lado, tendo menos frutos no pé, os nutrientes da planta iam para as laranjas que restaram, fazendo com que elas ficassem 5% maior, afirma o pesquisador.
Por que a irrigação não evitou o abortamento?
Cerca de 38% dos pomares adultos do Cinturão Cítricola são irrigados, aponta Trombin. Deste modo, a maior parte da produção depende dos períodos de chuvas.
Mas mesmo as áreas irrigadas são prejudicadas pelas ondas de calor, afirma a pesquisadora do Cepea, Geraldini.
A irrigação é uma solução quando os produtores conseguem antecipar o florescimento, fugindo dos meses em que há mais risco de altas temperaturas, afirma Trombin, do Fundecitrus.
Cerca de 77 milhões de laranjeiras estão contaminadas com o greening no Cinturão Citrícola, representando cerca de 38,06% do plantio, aponta o Fundecitrus.
O greening é uma doença que afeta os pomares e diminui a qualidade e a produtividade da fruta. Ela é causada por uma bactéria, que, por sua vez, é disseminada por um inseto.
Atualmente, é possível encontrar plantas doentes em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Paraná e Goiás, explica Olavo Bianchi, pesquisador do Fundecitrus.
A bactéria coloniza um dos vasos condutores de nutrientes da planta, causando quedas de frutos, os deixando tortos, com perda na qualidade do suco e até a morte do laranjal.
A doença não tem cura e a legislação obriga o produtor a remover o pé adoecido.
O ideal é prevenir a disseminação da bactéria por meio de pulverização recorrente, diz Bianchi.
Entre 2022 e 2023, a incidência de greening cresceu em 54%, aponta o Fundecitrus. Essa alta foi motivada pela resistência desenvolvida pelos insetos a alguns produtos químicos e porque alguns produtores deixaram de erradicar os pés contaminados.
Mas o pesquisador afirma que o comportamento está mudando e que os agricultores estão mais atentos às medidas contra o greening — o que pode gerar uma melhora no cenário.
Não apenas o Brasil é afetado pela doença. Na Flórida, nos Estados Unidos, todos os pomares estão contaminados, afirma Andres Padilla, do Rabobank.
Com este cenário, o preço do suco de laranja no mercado internacional triplicou nos últimos 2 anos, passando de cerca de US$ 2 mil por tonelada, para US$ 6 mil, aponta Padilla.
Os norte-americanos são o terceiro maior produtor de suco e o sexto maior da fruta, aponta o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Para Geraldini, do Cepea, o Brasil deve levar até 3 safras para conseguir repor os estoques dos sucos, ou seja, cerca de 3 anos.
Isso porque, em caso de remoção de pés devido ao greening, este é o período que leva, após um novo plantio, para acontecer uma boa colheita.
Há ainda alguns produtores migrando para o Mato Grosso do Sul e novas regiões de Minas Gerais para fugir da doença, o que corrobora com este prazo, aponta Padilla, do Rabobank.
Contudo, o analista do setor é otimista e acredita que, caso o segundo semestre tenha a temperatura mais amena e menos chuvas, ano que vem a safra pode ser maior do que a deste ano. Mas poderia levar até 2 anos para esta melhora refletir no preço do suco.
G1