Por um lado, a fome avança cada vez mais – só no Brasil são mais de 33 milhões de pessoas sem ter o que comer diariamente. De outro lado, cerca de 41 mil toneladas de alimentos em perfeitas condições deixam de ser aproveitadas todos os dias, segundo dados do Programa Mundial de Alimentos (WFP), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Também de acordo com a ONU, 45% de todas as frutas e hortaliças que nascem são perdidos e 30% de todo o alimento do mundo são desperdiçados. Outro dado alarmante: o desperdício de alimentos é responsável por 8% das emissões de gases que causam o efeito estufa.
O cenário é desanimador, mas tem empresas nascendo já com o objetivo de combater esse desperdício, ajudar produtores locais e também proporcionar preços mais acessíveis aos consumidores.
Imperfeito, mas ideal para consumo
Muito desse desperdício visto nas estatísticas – e no nosso dia a dia – é de frutas e legumes bons para consumo, porém com alguma imperfeição na aparência e que, por isso, não são aceitos em mercados e hortifrutis.
Foi pensando nesse problema e em um formato de negócio que, além de gerar lucro, conseguisse ajudar a sociedade, que Roberto Matsuda criou, no final de 2015, a Fruta Imperfeita, uma assinatura de cestas de frutas e legumes fora do padrão, mas ótimos para o consumo, entregues em casa.
Roberto Matsuda, criador do Fruta Imperfeita — Foto: Divulgação
Roberto ouviu muitos produtores rurais e todos tinham a mesma questão: as redes varejistas querem sempre verduras e legumes seguindo um padrão de cor, tamanho e formato. O resultado é sempre o mesmo: o desperdício de alimentos saborosos e nutritivos, que apenas não seguem o padrão criado como ideal.
“Não é só um modelo de negócio, mas também uma ideia tanto pra ajudar o meio ambiente, reduzindo desperdício de gás carbônico e reaproveitando os alimentos, quanto essa questão social dos pequenos produtores”, conta o empresário.
Quando a ideia surgiu, não existia nada parecido no Brasil e muitas dúvidas cercavam Roberto. Mesmo assim, ele começou pequeno, com uma demanda inicial de 10 cestas por semana. Mas a surpresa logo veio: a empresa começou a aparecer na mídia e nas redes sociais e a demanda passou para 3 mil pedidos em poucos meses.
O crescimento rápido assustou e o empresário precisou se adaptar, mas sempre tentando manter a essência do negócio: “Eu optei por não ir atrás de investidor, de ir crescendo pouco a pouco. Fui organizando o delivery de maneira otimizada para que a logística seja barata e também tenha menos impacto social”.
O projeto deu muito certo e hoje são mais de 3 mil clientes por mês recebendo as cestas com alimentos de 40 produtores rurais e 3 cooperativas.
Aplicativo vende frutas e legumes com imperfeições estéticas por preço menor
Roberto acha que o interesse pela sustentabilidade cresceu muito nos últimos anos, mas que o consumo consciente ainda faz parte de um nicho muito pequeno.
“Ainda tem um preconceito enorme. As pessoas acabaram perdendo a conexão com o alimento. Não é questão do alimento ser imperfeito, é que as pessoas não sabem que uma cenoura nasce na terra e ela pode ficar tortinha, mas tá tudo bem”, diz.
A preocupação com o ecossistema do negócio começa com o pagamento justo para os produtores rurais. Por isso, o valor da cesta não é muito menor pelo fato de ser “imperfeita”.
“Nosso diferencial nem é tanto o preço, mas sim o impacto que o consumidor tá fazendo na vida dessas pessoas e no meio ambiente. Mas nossa cesta ainda é mais barata, porque ela é uma seleção de produtos que são de épocas locais. A gente respeita a natureza e seu tempo”, conta Roberto.
Comandando uma franquia de uma rede de supermercados fora do Brasil, Lucas Infante viu um problema e, logo em seguida, uma oportunidade de negócio: foi o desperdício de alimentos que despertou a ideia da startup Food To Save, que já evitou que mais de 150 toneladas de alimentos fossem jogados no lixo.
Funciona assim: a empresa comercializa produtos de estabelecimentos parceiros que sejam excedente de produção ou que estejam próximos da data de validade, mas em perfeitas condições de consumo.O consumidor final pode comprar esses produtos com até 70% de desconto.
Não faz sentido um modelo de negócio que não beneficie todos os envolvidos. Tem que ter um equilíbrio para o consumidor e para os estabelecimentos comerciais. Nosso modelo exige que esse equilíbrio aconteça todos os dias”, diz Lucas, que toca o negócio com mais dois sócios.
A venda dos alimentos é feita em sacolas surpresas, que podem ser adquiridas por delivey ou retiradas diretamente em um dos mais de 600 estabelecimentos cadastrados na capital paulista, em Campinas, na Grande ABC e no Rio de Janeiro.
São restaurantes, padarias, hortifrutis, sacolões e docerias que se unem ao projeto para resolver o problema do desperdício e também para conquistar outro tipo de cliente, que normalmente não consumiria os produtos com o preço cheio.
Para Lucas, assim como para Roberto, da Fruta Imperfeita, o maior desafio ainda é uma questão cultural sobre os alimentos.
“O grande desafio é mudar a mentalidade do consumidor para olhar para o alimento e pensar no nível de desigualdade social no país, que é um dos mais alarmantes do mundo. Tem muita sobra e muita gente que não tem nada para comer. Algo precisa ser feito”, diz Lucas.
O empresário diz que quer provocar o consumidor com as sacolas surpresas: “É pra ele olhar marcas legais, que ele já conhece, e dar credibilidade pra nossa seleção. A gente quer envolver um grupo de consumidores que abracem a causa”.
O plano tem dado certo: hoje são mais de 200 mil downloads do aplicativo para compra das sacolas e um crescimento de 20% ao mês.
“Nascemos com um propósito para impactar milhões de brasileiros, mudar o cenário de desperdício de alimentos e provocar a sociedade. Gerar receita é consequência do nosso trabalho”, diz Lucas.
G1