Com a aprovação da Reforma da Previdência, na última quarta-feira 23, o Congresso encerrou um capítulo crucial na longa batalha para equilibrar as contas públicas. As novas normas significam um maior alinhamento às práticas internacionais e passam a tratar de forma menos desigual os trabalhadores e os servidores públicos. Foi a maior mudança no sistema de aposentadorias já feita no País, e afetará 72 milhões de brasileiros.
A principal novidade é a introdução da idade mínima para se requerer o benefício — o Brasil era um dos poucos países do mundo que não adotavam esse critério. Na América Latina, só o Equador não exige idade mínima. Na Europa, apenas a Hungria. A alíquota de contribuição ao INSS passa a ser progressiva, o que também corrige parcialmente a benevolência com grupos privilegiados. Algumas medidas favorecem os beneficiários de baixa renda, como a manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Não foi um caminho fácil. O governo sofreu vários reveses.
Euforia no mercado
A proposta original previa uma economia de R$ 1,2 trilhão em uma década. Ela foi desidratada pela Câmara e pelo Senado, e o valor economizado em dez anos agora é calculado em R$ 800 bilhões. Estados e municípios, muitos quebrados, ficaram de fora, por pressão das bancadas regionais. A solução para eles dependerá da chamada PEC paralela. Além disso, uma das principais propostas do ministro Paulo Guedes, a de capitalização, foi recusada pelos deputados. No Senado, a tumultuada negociação das receitas que estados e municípios receberão do megaleilão da cessão onerosa colocou em risco e atrasou o desfecho. No final, a proposta passou com ampla maioria. Guedes compareceu ao Senado para acompanhar a votação final dessa que foi a principal medida do governo Bolsonaro até o momento.
O mercado respondeu com euforia. O dólar atingiu o menor patamar em dois meses, chegando a cair abaixo da barreira dos R$ 4, e a Bolsa superou os 107 mil pontos pela primeira vez na história. A reação era esperada. Ao conter o desequilíbrio no Orçamento, a proposta abre espaço para mais investimentos públicos e sinaliza aos investidores internacionais que o País pode encontrar uma rota de crescimento sustentável. Para isso, as reformas modernizantes precisam prosseguir, e as próximas batalhas serão mais difíceis. É o caso da Reforma Tributária. O ministro Paulo Guedes, que insistiu na recriação da CPMF, agora planeja enviar seu projeto apenas no próximo ano. Nesse tema, haverá uma grande dificuldade para conciliar os interesses dos governadores que terão as receitas de seus estados mais atingidas, e dos setores da economia que também serão afetados. A Reforma Administrativa, que discutirá a estabilidade no serviço público, também enfrentará muita resistência dos servidores, bem representados por grupos de pressão no Legislativo.
Desarticulação
Além disso, a desarticulação do governo Bolsonaro no Congresso, agravada pela crise do PSL, torna mais difícil que transformações profundas reúnam a maioria do Congresso. Isso é ainda mais complexo no caso das mudanças constitucionais, que exigem maioria de três quintos nas duas Casas. A proximidade das eleições municipais de 2020 também é um obstáculo. Os parlamentares evitarão se comprometer com medidas impopulares.
Nesse cenário, o ministro Paulo Guedes promete apresentar até a quarta-feira 30 seu projeto de pacto federativo, que deverá incluir pelo menos três Propostas de Emendas Constitucionais (PECs). É o chamado plano DDD: desvinculação (eliminação de carimbos de verbas públicas), desindexação (fim de reajustes automáticos) e desobrigação nos gastos no Orçamento. Guedes ainda não deixou claro como pretende encaminhar as PECs, projetos de lei e regulamentações necessárias para mudanças tão profundas. No caso da Reforma Tributária, o próprio Congresso já debate dois projetos de forma independente. A tramitação da Reforma da Previdência contou com a determinação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que teve o apoio do centrão, interessado em figurar como fiador do crescimento. Também ocorreu no momento em que o presidente ainda vinha embalado pela vitória eleitoral. Agora, o jogo será outro.