O engenheiro e futurologista venezuelano José Luis Cordeiro, de 57 anos, é um entusiasta da vida eterna. Seu otimismo com o fim da morte, baseado, em grande parte, no pensamento no filósofo da singularidade, Raymond Kurtzweil, é realista e embasado por dados e argumentos. Formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cordeiro se concentra nos recursos médicos e computacionais que já ajudam a prolongar a vida e prometem transformar a morte em um mal evitável. Seu interesse pelo assunto aumentou quando seu pai faleceu, há cinco anos, desamparado pela falta de recursos da medicina na Venezuela. A situação o abalou emocionalmente e o levou a mergulhar nos estudos sobre rejuvenescimento e imortalidade. Junto com o matemático David Wood, escreveu o livro “A morte da morte”, no qual coloca à prova suas ideias sobre a interrupção da velhice, considerada por ele uma doença. “Já temos novas tecnologias de reprogramação celular e estamos entre a última geração humana mortal e a primeira imortal”, disse Cordeiro em entrevista à ISTOÉ.
O senhor considera o envelhecimento uma doença. Como assim?
A ideia é que tratemos o envelhecimento como uma doença a mais, a pior das doenças, a mãe de todas as doenças. Acaba de sair um livro chamado “Lifespan: Why we age — and Why we don´t have to”, de um cientista da Universidade de Harvard, David Sinclair, biólogo muito respeitado. E ele fala isso: o envelhecimento é uma enfermidade e temos de classificá-lo assim para que tenhamos mais pesquisas. As companhias não investigam o envelhecimento porque ele não é ainda considerado doença, como antes a sarcopenia, que diminui a massa magra do corpo, não era enfermidade. Se estudarmos o envelhecimento, se o curarmos, curaremos outros males que são causados por ele, como as doenças neurodegenerativas, cardíacas e o câncer. Hoje, as pessoas morrem principalmente de doenças relacionadas ao o envelhecimento.
Poderemos impedir o envelhecimento?
Sabemos que há células e organismos que não envelhecem, como, por exemplo, as bactérias. Elas são as primeiras formas de vida no planeta. Dividem-se de maneira simétrica e podem viver indefinidamente. As bactérias que se juntaram para formar organismos multicelulares geraram dois tipos de células: as células germinais de reprodução, os espermatozóides e óvulos, que são imortais, e as células somáticas do corpo, que ficam velhas. As células germinais podem morrer, porque quando o corpo, o soma, morre, elas morrem também, ainda que não envelheçam.
Há outros exemplos?
Outro tipo de célula que se descobriu que não envelhece é a do câncer. O câncer envolve uma série de mutações que podem acontecer em qualquer parte do corpo e que detém a degeneração celular. Esse é o problema do câncer, ele não envelhece e por isso é preciso matar todas as células cancerosas porque, se deixar uma sobrevivente, elas voltam a se reproduzir. Nós temos células imortais boas, as germinais, e desordenadas como as do câncer. Também há organismos como as hidras e as medusas, que são considerados biologicamente imortais. Estamos descobrindo cada vez mais organismos pequenos e simples que não degeneram. Quando as pessoas falam que é impossível ser imortal, falo que é possível, que já existem formas de vida na natureza que nunca morrem.
E como isso pode servir para o ser humano?
Pela primeira vez, estamos compreendendo isso. Depois do sequenciamento do genoma humano conseguimos entender, por exemplo, que o câncer é uma mutação para se manter jovem. Por isso, companhias de computação como a Microsoft anunciaram que vão curar o câncer. Não foi uma companhia médica ou farmacêutica que falou isso, mas a Microsoft, porque o câncer é um problema computacional, não um problema médico. Podemos encontrar as mutações que geraram o câncer e compará-las com as células não cancerosas. Outra coisa incrível é a descoberta, em 2006, de um cientista japonês da Universidade de Tóquio, chamado Shinya Yamanaka. Ele descobriu que células podem ser reprogramadas e que é possível modificar genes de uma célula velha e torná-la novamente jovem. Em 2012, ganhou o Prêmio Nobel. Graças a Yamanaka, sabemos que o envelhecimento é controlável e reversível. Isso já foi feito a nível celular. Agora os cientistas trabalham com os órgãos e com o corpo inteiro. Temos novas tecnologias e estamos entre a última geração humana mortal e a primeira geração imortal.
Qual é o papel da inteligência artificial contra a velhice?
O sequenciamento do genoma envolve três bilhões de bases nitrogenadas (adenina, timina, citosina e guanina), que não podemos compreender. A mente humana não consegue ver a diferença entre três bilhões de bases não mutantes e três bilhões mutantes. Nosso cérebro é limitado. E a inteligência artificial não tem esse problema. Por isso, ela será decisiva para a cura de muitas doenças e para a criação de novos tratamentos. Os tratamentos têm sido feitos em ratos, que, geneticamente, são 90% iguais aos humanos, mas só vivem dois anos, dois anos e meio. Agora temos espécimes que vivem cinco anos. Conseguimos duplicar a expectativa de vida dos ratos. E já temos conhecimento suficiente para usar isso experimentalmente com os humanos. A Food and Drugs Administration (FDA) aprovou nesse ano os primeiros tratamentos com drogas senolíticas para prolongar a vida. Os cientistas descobriram que as células não envelhecem igualmente. Há algumas células que envelhecem e não morrem, chamadas de células zumbis. Com o tratamento senolítico, é possível matar as zumbis, e as células-tronco que ainda estão no corpo geram novas células boas e jovens. É uma coisa que não conhecíamos e agora sabemos que é um caminho para prolongar a vida.
Mas há algumas complicações. Se todos se tornarem imortais, se criará uma superpopulação.
Essa era a armadilha malthusiana. As pessoas falam sempre que há superpopulação. Quando Thomas Malthus escreveu, há mais de dois séculos, que o mundo estava superpovoado, que havia muita gente, viviam na Terra menos de 1 bilhão de pessoas. A Inglaterra tinha 10 milhões de habitantes. Hoje, somente Londres possuí 12 milhões e a Inglaterra está com quase 70 milhões. A população de muitos países começou a diminuir. O caso mais terrível é o do Japão. A população do Japão decresce há mais de dez anos. Nesse ritmo, o país não mais existirá em dois séculos. Mas, como deixaremos de envelhecer, isso não irá acontecer. As pessoas não vão morrer a partir de 2045.
Por que 2045?
Muitas dessas projeções são do futurista Raymond Kurzweil. Ele fez previsões que utilizo no meu livro. Ele fala que no ano de 2045 o envelhecimento e a morte se tornarão opcionais. É a singularidade tecnológica, quando a inteligência artificial ultrapassará a inteligência humana. São extrapolações segundo a Lei de Moore, comparando os neurônios com os transístores. Em 2045 vamos chegar a uma inteligência artificial superior a todos os humanos juntos. Mas, antes, outra data importante é o ano de 2029, quando alcançaremos a velocidade de escape da longevidade. Isso é muito importante. Com o alcance da velocidade de escape para cada ano que vivermos, ganharemos um ano a mais. Atualmente, para cada ano que sobrevivemos, ganhamos quatro meses de vida. Não é suficiente. Kurzweil estima que a partir de 2029 passaremos a viver indefinidamente, mas ainda envelhecendo. E no ano de 2045 teremos as tecnologias de rejuvenescimento biológico com a reprogramação celular. Poderemos copiar nosso cérebro e transferi-lo para um computador. As tendências tecnológicas atuais não são lineares e sim exponenciais. Nas próximas duas décadas veremos tantas mudanças como nos últimos dois mil anos.
Não se corre o risco da imortalidade ser algo só para as elites?
Essa é uma das perguntas mais típicas. A primeira é a da superpopulação. A segunda é essa. Todas as tecnologias quando começam são caras e malucas. E quando se democratizam se tornam mais baratas e eficientes. Três exemplos. Os primeiros telefones celulares eram para ricos. Agora todo mundo tem um. O celular é uma máquina mais poderosa que o computador da missão Apolo. Outra coisa é o sequenciamento do genoma. O sequenciamento do primeiro genoma humano demorou treze anos para ser concluído e custou três bilhões de dólares. Hoje, pode ser feito por duzentos dólares em um dia. Em cinco anos, sequenciaremos o genoma por dez dólares em um minuto. O terceiro exemplo é a Aids, que era mortal e agora não é mais. Os primeiros tratamentos custavam milhões e hoje são baratos. Ninguém morre mais de Aids nos países desenvolvidos.
Lutar contra o envelhecimento é ético?
É essencialmente ético. É a coisa mais ética que se pode fazer. Se queremos verdadeiramente evitar o sofrimento e a dor, temos de acabar com o envelhecimento. As pessoas falam que o grande problema é o ambiental. Mas o verdadeiro problema é que as pessoas morrem.
Um pobre indigente, por exemplo, pode não ter interesse em se tornar imortal. Para algumas pessoas, viver eternamente pode não ser um bom negócio.
Acho que a imortalidade será muito boa para todos, porque não se trata só de extensão da vida, mas também da expansão da vida. Aumentaremos a quantidade, mas também a qualidade de vida. Poderemos ver mais filmes, ler mais livros, aprender muitos idiomas novos. Há muitas coisas no mundo para aprendermos. As pessoas não têm tempo para fazer todas as coisas que gostariam. E, se vivermos mais, faremos muito mais. Na verdade, todos sairão ganhando.
As religiões sempre se ocuparam da vida depois da morte. Com a imortalidade as religiões deixarão de existir?
Sou muito atacado pela Opus Dei. Eles me detestam e têm uma campanha contra mim na Espanha. Chamaram-me de falso profeta, charlatão, para me desacreditar. Mas sei, como meus amigos cientistas, que estou do lado certo da história. É uma questão de tempo. O fim da morte implica a morte da religião, porque ela vive da pós-vida. O propósito das religiões é explicar o que acontece quando se morre. As religiões atuais vão desaparecer ou deveriam desaparecer.
Mas haverá pessoas que vão preferir morrer em nome da fé.
Haverá pessoas que vão ficar no passado, como os Amish hoje em dia, mas todas as religiões falam que seu objetivo é a vida eterna. No futuro próximo a vida eterna será aqui mesmo.