Em entrevista à CNN, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, confirma que o PIB registrado no segundo trimestre levará a pasta a aproximar sua projeção para o crescimento do país em 2023 de 3%.
Mais do que isso, na análise de Mello, o desempenho surpreendente da economia do Brasil neste ano — em janeiro o mercado projetava avanço inferior a 1% — pode indicar que o potencial de crescimento do PIB no país é maior do que se pensava.
O PIB potencial representa o nível de atividade que pode ser obtido sem gerar pressões sobre a taxa de inflação.
Para o secretário, não há correlação clara entre as surpresas e reformas aprovadas em governos anteriores. O desempenho positivo, na sua visão, deve ser atribuído a uma série de fatores, entre eles a “gestão de expectativa” da Fazenda atual.
Mello destaca o “arrumar de casa” implementado pelo governo Lula no primeiro semestre. O marco fiscal é o carro-chefe da tal “gestão de expectativas”. E ele garante: o governo tem margem de manobra para zerar o déficit primário em 2024.
A casa arrumada é “condição necessária, mas não suficiente” para o Brasil recuperar o desenvolvimento inclusivo, indica. A partir deste semestre o governo volta sua atenção à sua “estratégia de futuro”: uma agenda de transformação ecológica combinada à neoindustrilização.
Essa sim é a estratégia de futuro, vamos aproveitar as oportunidades. O momento da economia mundial abre portas para o Brasil, para que cresçamos de forma sustentada, em ritmo mais elevado, com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
Guilherme Mello, secretário do Ministério da Fazenda
Durante a entrevista, o secretário não evitou temas sensíveis à gestão, apontou: governo tem interesse em uma reforma administrativa de olhar “estrutural”, “não meramente fiscal”.
Confira a entrevista:
Com a surpresa do PIB no segundo trimestre, qual o crescimento que a Fazenda projeta para 2023?
Estamos ainda revisando modelos. Na semana que vem a gente finaliza este processo, e logo em seguida lançaremos o novo Boletim Macrofiscal da SPE. É muito provável que nossas projeções se aproximem de 3%. Ainda há dados que vão sair daqui até o fechamento da grade, mas é bem provável que tenhamos algo em torno de 3% para 2023.
O resultado é positivo, aponta para um crescimento maior, e provavelmente em algum momento tende a se traduzir em um aumento das receitas, visto que as receitas usualmente acompanham o PIB.
Já vem sendo discutido entre analistas o fato de que essas seguidas surpresas sequenciais na economia podem sinalizar que o potencial de crescimento da economia brasileira sem gerar pressão inflacionária é maior que o inicialmente projetado.
Campos Neto — assim como uma série de economistas — indica que essas surpresas podem ser resultado de reformas implementadas em Temer e Bolsonaro. O que pensa?
Essa questão da defasagem é bastante comum nos debates econômicos. Alguns economistas vão trazer fatos que aconteceram há seis, sete anos: ‘olha, é aquilo que maturou agora’. Qual a base empírica para sustentar essa posição? É muito difícil construir alguma comprovação dessa hipótese.
Acredito que há um conjunto de fatores para explicar a surpresa positiva. Obviamente um dos fatores é a safra recorde que a gente teve, o que não necessariamente tem a ver com reformas ou mesmo com políticas econômicas de curto prazo. Tem a ver com a construção de políticas que sustentaram o desenvolvimento do agronegócio no Brasil, desde a Embrapa ao Plano Safra.
Ao mesmo tempo, quando você percebe uma queda mais rápida do que se projetava na inflação, com a estabilização da taxa de câmbio, isso é fruto de algum sucesso na gestão de expectativas que a política econômica recente fez. Se olhar as projeções de crescimento, inflação, câmbio, curva de juros, consigo enxergar sucesso da gestão atual.
O marco fiscal é central para essa “gestão de expectativa”, daí a importância de zerar o déficit em 2024. Caso receitas do Orçamento não se concretizem, há margem de manobra?
O Orçamento foi enviado com déficit zero e todas as medidas necessárias para alcançar essa meta. Mas algumas medidas não foram incluídas no PLOA. Então temos, por conta dessas medidas, não incluídas, mas já encaminhadas, como o preço de transferência, uma margem, caso receitas não entrem.
Mais do que isso, historicamente o Orçamento brasileiro traz um valor total, mas você não consegue gastar 100% do Orçamento, sempre tem uma pequena parte, que do ponto de vista dos valores é relevante, que você não consegue realizar. Os economistas chamam de ‘empoçamento’. Há ainda a banda do marco fiscal, de 0,25 ponto percentual para mais ou menos.
Ademais, há a previsão dentro do novo regime fiscal de que o gasto vai crescer entre 0,6% e 2,5%. Nós enviamos o Orçamento com o crescimento do gasto em 1,7%, que é 70% do crescimento da receita. Há possibilidade, caso as contas venham boas e superem nossas expectativas, de incorporar um crédito suplementar de 0,8% [até 2,5%], está previsto no texto do marco fiscal”.
“Mas também há a previsão de que, se a receita for menor, pode-se contingenciar até o limite de 0,6%. Isso está colocado na regra fiscal e é um instrumento de gestão orçamentária. Então, veja, já falei várias medidas que totalizam um volume grande de margem de manobra para atingir a meta zero. Estamos confiantes de que podemos gerir esta meta, obviamente com a contribuição e diálogo constante junto ao parlamento.
Desoneração da folha, já aprovada na Câmara e Senado, traz impacto grande ao fiscal. Governo já jogou a toalha em relação ao tema?
“Estamos com uma agenda bastante relevante e ousada de tributação sobre a renda, e caso o país seja capaz de avançar nessa agenda, nós podemos combinar eventualmente esse ganho de arrecadação na renda para diminuir tributação sobre folha e consumo. A proporção da receita ligada à tributação sobre a renda no Brasil é pequena”.
“Isso é muito mais eficaz do que fazer uma desoneração setorial sobre folha, que inclui alguns setores, outros não. Do ponto de vista do mérito, acho que é muito mais interessante que essa discussão da tributação sobre a folha venha junto com uma discussão de reforma da estrutura tributária, onde todas as empresas possam ganhar, não só um conjunto pequeno”.
Presidente da Câmara, Lira vem pressionando o governo para debater a reforma administrativa dentro desta agenda para “arrumar a casa”. Como a Fazenda vê o tema?
“Temos uma agenda, em discussão, de melhoria da gestão do Estado brasileiro, e isso obviamente vai ser discutido em um momento adequado junto ao parlamento. Agora, é preciso observar a forma como a pauta vai ser apresentada: assim como a reforma tributária não pode ser pensada meramente como algo fiscal, para aumentar a arrecadação, a reforma administrativa não pode ser pensada de maneira meramente fiscal, para diminuir gastos”
“A reforma é algo estrutural. É uma oportunidade, assim como a tributária, de você aumentar o potencial de crescimento da economia, a efetividade dos serviços públicos e mesmo a progressividade do Estado. Pensando deste ponto de vista, acho que é de todo interesse do governo e do parlamento avançar nesta agenda”.
Guilherme Mello, secretário do Ministério da Fazenda
Qual o objetivo do Estado brasileiro? Oferecer serviços e bens públicos de maneira eficiente e com menor custo possível para o contribuinte. Então todas as medidas que visem ampliar a eficiência e a qualidade dos serviços, por exemplo, integrar tecnologia na prestação dos serviços, acho bem-vindas”.
Passado o primeiro momento, de “arrumar a casa”, qual o plano estratégico da Fazenda para a sequência do mandato?
O primeiro semestre foi concentrado em “arrumar a casa”, estabilizar indicadores macroeconômicos, recuperar a credibilidade e previsibilidade da política econômica, para isso o marco fiscal foi importante, assim como medidas para recomposição da base fiscal, a reforma tributária sobre o consumo e agora os elementos da reforma sobre a renda. Mas isso é o pano de fundo: condição necessária, mas não suficiente para o Brasil recuperar um processo de desenvolvimento inclusivo.
É neste sentido, de um novo estilo de desenvolvimento, que está em discussão no governo o Plano de Transformação Ecológica, com uma série de instrumentos de financiamento à inovação, sustentabilidade, bioeconomia, transição energética. Já está caminhando do ponto de vista da elaboração, traz a regulamentação do mercado de carbono, a taxonomia, os títulos soberanos sustentáveis e outras medidas.
Estamos criando o instrumental para que combinemos a transformação ecológica com a estratégia de neoindustrialização. Essa, sim, é a estratégia de futuro, a estratégia de aproveitar as oportunidade que o momento da economia mundial abre para o Brasil, para crescermos de forma sustentada, em ritmo mais elevado, com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
CNN Brasil