A miséria campeia e a base da pirâmide social não para de crescer. Em 2018, o Brasil bateu o recorde de pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Agora, são cerca de 13,5 milhões de brasileiros com renda mensal per capita inferior a R$ 145,00, ou com pouco mais de R$ 4,00 por dia — esse é o critério adotado pelo Banco Mundial para definir a linha extrema de pobreza. O número equivale 6,5% dos brasileiros e corresponde à população total de países como Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal. Essa massa de desvalidos se alimenta do que pode, mora precariamente e não tem perspectivas de melhorar de vida. Boa parte desses brasileiros, mesmo recebendo o Bolsa Família, com uma linha de corte de R$ 89,00, se mantém na zona da pobreza absoluta.
A rede de proteção do Bolsa Família vem perdendo eficiência. Até então o recorde de empobrecimento no País havia sido registrado em 2012, com 5,8% da população vivendo na miséria. De lá para cá a situação só piorou. Entre as regiões brasileiras, o Nordeste é a que registra maior número de pessoas, 7,7 milhões, abaixo da linha de miséria. O Centro-Oeste é a região com a menor população de miseráveis: 467 mil. A pesquisa também traz dados sobre o número de brasileiros abaixo da linha de pobreza, um grau acima da pobreza extrema. São aqueles que vivem com uma renda mensal inferior a R$ 420,00, ou seja, menos da metade de um salário mínimo da época em que o estudo foi feito, que era de R$ 954,00. Em 2018, foram 52,5 milhões de brasileiros classificados nessa condição deplorável, o equivalente a aproximadamente 25% da população: um a cada quatro brasileiros é pobre.
Apesar da tímida melhora no mercado de trabalho e da alta expectativa do governo federal em relação às reformas econômicas, o quadro ainda é triste. Ao lado dos dados da linha de pobreza, o IBGE também mostrou que a renda dos mais pobres diminuiu mais de 3% e a dos ricos subiu mais de 8% em 2018. De acordo com André Simões, gerente da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, a pequena evolução do mercado não chegou às pessoas de baixa renda, apenas atingiu aquelas que estão em uma faixa de renda mais elevada. “É fundamental que esse grupo desfavorecido tenha acesso aos programas sociais e que tenha condições de se inserir no mercado de trabalho para conseguir uma renda que o tire da situação de extrema pobreza”, diz. O Bolsa Família já não basta. “A linha usada para administração do programa está abaixo da linha de pobreza internacional”, afirma Leonardo Athias, que também é coordenador de População e Indicadores Sociais do IBGE.
Gênero e cor
O estudo fez recortes por gênero e cor. Em 2018, a pobreza atingiu principalmente a população feminina parda ou preta. Cerca de 27,2 milhões de mulheres negras ficaram abaixo da linha da pobreza, pouco mais da metade do total. Apenas no recorte de cor, as etnias preta ou parda tiveram um rendimento médio domiciliar per capita de R$ 934,00, quase 50% a menos que a população branca — R$ 1.846,00. O estudo mostrou que 56,2% (29,5 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza) não têm acesso à rede de esgoto; 25,8% (13,5 milhões) não possuem abastecimento de água por rede; e 21,1% (11,1 milhões) não conhecem acesso à coleta de lixo. Novamente, nos dados ligados às condições de moradia, os índices de precariedade são maiores para pardos e pretos do que entre brancos, mesmos em relação àqueles que se apresentam com formação fundamental incompleta ou sem instrução nenhuma. Em quatro anos de piora dos indicadores sociais, mais 4,5 milhões de brasileiros caíram na miséria absoluta. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro jura de pés juntos que no Brasil não se passa fome.