Pesquisadores apontaram, pela primeira vez, que pacientes que fazem o uso da semaglutida para diabetes ou perda de peso podem ter um risco maior de desenvolver uma condição ocular rara quando comparados com aqueles que não usam a droga.
A pesquisa, publicada na quarta-feira (4) na revista científica “JAMA Ophthalmology”, NÃO prova uma relação de causa-efeito, ou seja, não elimina a possibilidade de que existam outras explicações plausíveis para a associação com a neuropatia óptica isquêmica anterior- não arterítica (NOIA-NA), uma condição que afeta o suprimento sanguíneo no nervo óptico.
Segundo os pesquisadores, o estudo tem como principal intuito lançar luz sobre a necessidade de mais discussões médicas sobre um possível risco do uso da substância, presente em canetas injetáveis para obesidade e diabetes tipo 2 (Ozempic e Wegovy).
Isso porque, mesmo que seja uma condição rara, a NOIA-NA é a segunda principal causa de cegueira do nervo óptico, perdendo apenas para o glaucoma.
“O uso desses medicamentos [com semaglutida] explodiu em países industrializados e eles proporcionaram benefícios muito significativos de várias maneiras, mas discussões futuras entre um paciente e seu médico devem incluir a NOIA-NA como um risco potencial”, disse o médico e autor do estudo Joseph Rizzo, diretor do Serviço de Neuro-Oftalmologia do hospital especializado Mass. Eye and Ear.
Em nota enviada à agência Reuters, a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e do Wegovy, destacou várias limitações do estudo, que não foi um ensaio clínico randomizado (entenda mais abaixo as limitações da pesquisa).
“No geral, os dados publicados no estudo não são suficientes para estabelecer uma associação causal entre o uso de agonistas [muito parecidos] do receptor GLP-1 [hormônio que estimula algumas células, diminuindo o apetite] e a NAION”, disse a farmacêutica dinamarquesa, acrescentando que a condição “não é uma reação adversa ao medicamento para as formulações comercializadas de semaglutida.”
Canetas para tratamentos de obesidade e diabetes tipo 2 — Foto: Editoria de arte/g1
Como a pesquisa foi feita
No estudo, descobriu-se que pessoas com diabetes que receberam a prescrição de semaglutida eram mais de quatro vezesmais propensas a serem diagnosticadas com a condição rara. Já aqueles com sobrepeso ou obesidade e prescritos com o medicamento eram mais de sete vezesmais propensos a receber o diagnóstico.
Os pesquisadores, no entanto, ainda NÃO sabem por que ou como essa associação existe, e por que houve uma diferença relatada nos grupos diabéticos e com sobrepeso.
Nossas descobertas devem ser vistas como significativas, mas provisórias, pois são necessários estudos futuros para examinar essas questões em uma população muito maior e mais diversa.
— Joseph Rizzo, diretor do Serviço de Neuro-Oftalmologia do hospital especializado Mass. Eye and Ear.
Para realizar o estudo, os pesquisadores analisaram os registros de mais de 17 mil pacientes do Mass Eye and Ear tratados nos seis anos desde o lançamento do Ozempic em 2017 e os dividiram entre aqueles que foram diagnosticados com diabetes ou sobrepeso e obesidade.
Assim, eles compararam pacientes que receberam prescrições de semaglutida com aqueles que tomavam outros medicamentos para diabetes ou perda de peso.
O estudo observacional de 36 meses envolveu 710 adultos com diabetes tipo 2 e 979 tomando medicamentos para perda de peso.
Em seguida, analisaram a taxa de diagnósticos de NOIA-NA nos grupos, revelando aumentos significativos no risco.
A taxa do problema ocular foi de 8,9% para aqueles que tomavam semaglutida para diabetes tipo 2, em comparação com 1,8% para pacientes que usavam medicamentos para diabetes que não são análogo ao GLP-1.
Entre os pacientes que receberam prescrição de semaglutida para excesso de peso ou obesidade, a taxa de NOIA-NA foi de 6,7%, em comparação com 0,8% para aqueles que usavam outros tipos de medicamentos para redução de peso.
Canetas para tratar obesidade e diabetes tipo 2: entenda como agem
Além de não provar causalidade e da incerteza sobre o motivo da associação com a condição rara de perda ocular, os pesquisadores também destacaram várias limitações na pesquisa.
Uma das suas principais restrições está no fato de que o Mass. Eye and Ear, localizado em em Boston, nos Estados Unidos, vê um número incomumente alto de pessoas com doenças de visão raras, uma tendência que pode inferir nos resultados da pesquisa, que inclusive observou um pequeno número de casos de NOIA-NA.
Além disso, os pesquisadores também não conseguiram verificar se os pacientes observados aderiram consistentemente ao tratamento com semaglutida ou se interromperam o uso em algum momento, o que poderia ter afetado seu risco.
“Esta é uma informação que não tínhamos antes e deve ser incluída nas discussões entre pacientes e seus médicos, especialmente se os pacientes tiverem outros problemas conhecidos no nervo óptico, como glaucoma, ou se houver perda visual significativa pré-existente por outras causas”, alertou Rizzo.
G1 Saúde