O que Julio César, Napoleão Bonaparte, Friedrich Nietzsche, João Cabral de Melo Neto, Sigmund Freud, Madame de Pompadour e Thomas Jefferson têm em comum? Aparentemente nada, mas todos, em seu tempo, padeceram de um mesmo mal silencioso: a enxaqueca. O sofrimento do poeta João Cabral foi tamanho que ele fez até uma ode para um analgésico que lhe ajudou muito no poema “Monumento à Aspirina”.
Mas os gênios não estão sozinhos. Cerca de um bilhão de pessoas no mundo convivem com esse mal, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). É uma verdadeira legião de sofredores. No Brasil, um levantamento feito pelo instituto de pesquisas HSR Health e obtido com exclusividade pela ISTOÉ mostrou que 15% da população têm a doença. Ou seja, mais de 31 milhões de pessoas penam com a dor. E entre as mulheres esse percentual pode até dobrar, por causa dos fatores hormonais, o que provoca duas a três crises por mês.
Diferente de uma cefaléia comum, a enxaqueca se caracteriza por ser uma forte dor latejante, que pode atingir um lado ou a fronte inteira da cabeça, durando mais de seis horas. Normalmente vem acompanhada de náuseas, vômitos e sensibilidade à luz, sons e cheiros. Foi um episódio desses que levou Jéssica Avelino de Souza, de 26 anos, para um pronto socorro pela primeira vez há 15 anos, quando começou a passar mal na escola. “A dor foi piorando, vomitei e comecei a ver pontos claros. Depois os médicos afastaram causas físicas e me encaminharam ao neurologista”, conta. Mesmo tomando os remédios, ela tinha pelo menos uma crise forte por mês. Diante disso, mudou sua alimentação e passou a evitar comidas que pioravam o quadro, como carnes, gorduras e doces e ficou melhor.
Em 2013, Jéssica criou o Grupo de Apoio para o Tratamento de Enxaqueca (Gate), que permite a troca de experiências entre pacientes e já conta 27 mil participantes, que fizeram parte da pesquisa da HSR. Jéssica só se assusta com a busca das pessoas por um remédio milagroso. É exatamente esse o grande problema, segundo o neurologista do Hospital das Clínicas, Fábio Porto. “As pessoas só procuram tratamento quando o remédio da farmácia não funciona mais e o uso indiscriminado de analgésicos só torna o problema crônico porque desregula ainda mais o sistema de proteção de dor”, diz.
Propensão genética
Neste cenário, ainda há a questão de genética. Ou seja, pacientes herdam essa propensão da família, afirma o neurologista do Hospital das Clinicas de São Paulo, Marcio Nattan. É o caso de Regina Helena Pinto. Ela suas três irmãs sofreram a vida toda com o problema e agora sua filha e até as sobrinhas também carregam o fardo. “Conheço quase todos os medicamentos para enxaqueca, mas temos de conviver porque não há cura”, diz desanimada.
“A enxaqueca é a segunda doença mais incapacitante no mundo, mas como não mata, não recebe tanta atenção. Isso começa a mudar”, explica Nattan. Os tratamentos usavam remédios que não foram desenvolvidos para enxaqueca, mas sim adaptados, como anticonvulsivos, ansiolíticos e até para pressão alta. Porém, agora foi aprovado pela ANVISA um medicamento biológico que chegou ao Brasil em fevereiro e usa uma molécula envolvida no mecanismo da dor que impede as crises. “Não é um analgésico, mas sim um bloqueador da dor”, explica o diretor médico da divisão de Farma da Novartis Brasil, Luis Boechat. A novidade, porém, é cara. Uma única injeção para auto aplicação, como insulina, custará cerca de R$ 2 mil.
isto é