Pacificação definitivamente é um artigo em falta no governo Bolsonaro. Ele acredita mesmo na tática do bate-boca, do achincalhe, da provocação explícita, da desmoralização pública e da ausência de decoro institucional para pregar a sua homilia de retrocessos. Na Bíblia, que um dia alardeou seguir, o mandamento de São João Evangelista, segundo o qual “a verdade liberta”, ganhou na versão bolsonarista outra tonalidade e viés — mais próximo das fake news, com fatos forjados e grosserias para compor o todo de um discurso catequizador de adeptos adoradores do Mito. Aplicado ao dia a dia de governo, o aforismo seguido às avessas tem um valor ainda mais transcendental, que descortina a visão de mundo totalitária e perseguidora de inimigos. Prega o Messias Bolsonaro: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim”. Trocando em miúdos: é só ele decidir radicalizar de vez que o apoio dos extremados conservadores segue a reboque. Para onde? Brasileiras e brasileiros que têm algo a perder além da vida sentem-se como passageiros de um barco furado e tentam desembarcar. As pesquisas mostram. A popularidade de Bolsonaro derrete. Já a sua verborragia tosca avoluma-se com o passar do tempo, a produzir tempestades desnecessárias no horizonte. Somando os impropérios da última semana é possível montar um decálogo de mandamentos. Na visão insolente do comandante, a Polícia Federal é dada a “babaquices”, o ministro redentor da economia Paulo Guedes virou um “chucro”, o herói da Justiça Sérgio Moro não passa de “ingênuo” e supostos adversários como o governador paulista João Doria tem “ejaculação precoce” — mais uma vez com pedido de desculpas ao leitor por repetir a expressão de baixo calão, dada a cisma do mandatário com essas figuras de linguagem sexual. Qualquer um que ouvisse algo parecido pegaria o boné e iria embora. Mas não os asseclas de Messias. Trata-se, decerto, de uma estranha patologia presidencial, digna de compêndios da psiquiatria, essa fixação libidinosa. E decorre, talvez, da índole cordata e pacífica do povo que aceita (e sai em busca de salvadores da pátria) o avanço avassalador dos intolerantes no poder e o definitivo enterro intelectual do debate que, nos dias de hoje, deixou de acontecer em bases republicanas. No que depender de Bolsonaro, pode apostar, não será reavivado tão cedo. A linguagem à qual o capitão reformado se acostumou, entende e adora propagar é, por assim dizer, equestre. Sobram patadas para todos os lados. No último movimento do tipo ele cometeu mais uma descortesia inominável no plano internacional. Atacou o pai de Michelle Bachelet — alta comissária da ONU e ex-presidente do Chile — que foi morto sob o regime do ditador Augusto Pinochet. Não busque compreender o padrão de ignomínias do atual governante brasileiro, pois está abaixo de qualquer limite minimamente razoável e civilizado. Quando a afronta não vem verbalmente, segue às vias de fato, com atitudes concretas. Cismou com o presidente do INPE, com ministros que lhe faziam contraponto e com tantos outros? Despachou, mandou para casa. No último lance dessa sarabanda ele exonerou o presidente da Ancine. É algo assim como dispensar pouco mais que um grumete de sua nau da insensatez. Mas na embarcação onde injúrias são distribuídas a granel, quem paga o pato é a arraia miúda. O problema certamente não é demitir o grumete, o contramestre ou até o contra-almirante e sim o sentimento de desgoverno, de algazarra litúrgica, que isso passa, ferindo de morte a credibilidade do capitão e a confiança na sua capacidade de promover mudanças. “Sou eu que mando!”, já vociferou o capitão. O poder nas democracias emana naturalmente do respeito e não da imposição. Governar com o fígado turbina confrontos. Seria recomendável ao senhor Jair Bolsonaro cuidados redobrados nesse sentido. A capitalização eleitoral da retórica do bato e arrebento é baixa. Atende apenas aos convertidos e promove um sentimento de hostilidade nocivo às decisões com os demais agentes sociais. O Congresso, por exemplo, passou a torcer o nariz a inúmeros de seus pedidos, recomendações e projetos. A figura de um chefe de Estado como protagonista de uma macheza tacanha presta-se ao ridículo, transmite insegurança e demonstra baixíssima compreensão do papel a exercer. Encarregado de apreciar assuntos de suprema relevância e urgência, com a credencial de uma legitimidade que só o voto pode conferir, o mandatário deveria voltar-se a esses temas e deixar de lado as babaquices, os chucros e ingênuos que ele enxerga por todos os lados.