O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Mas perde para Japão, União Europeia e Estados Unidos quando são levadas em conta duas variáveis: a quantidade de alimento produzida e a área plantada. Nesses casos, a aplicação de veneno pelo país é proporcionalmente menor.
A agricultura brasileira usou 539,9 mil toneladas de pesticidas em 2017, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Isso representou um gasto de US$ 8,8 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões no câmbio atual), de acordo com a associação que representa os fabricantes, a Andef.
No ranking de uso por hectare de lavoura, o Brasil foi o sétimo naquele ano, com gasto equivalente a US$ 111. O Japão, líder do ranking, aplicou US$ 455.
Já por tonelada de alimento produzido, o país foi o 13º, com US$ 8. O Japão,novamente na liderança, gastou US$ 95.
“É preciso lembrar que a gente produz num clima tropical, em que o inverno não é rigoroso o suficiente para interromper os ciclos de pragas e patógenos, como acontece nos países de clima temperado”, diz Marcelo Morandi, diretor-presidente da Embrapa Meio Ambiente.
Ou seja: o mesmo clima favorável que possibilita ao Brasil colher duas safras por ano favorece a ocorrência de pragas e doenças.
Mas a liberação de agrotóxicos vem ganhando velocidade nos últimos anos no Brasil. Neste ano, até meados de maio, foram registrados 169 produtos, mais do que em todo o ano de 2015.
Nenhum deles constitui princípio ativo novo: são novas misturas de substâncias já aprovadas ou “genéricos”. Mas entidades em defesa do meio ambiente temem que a liberação de mais produtos, ainda que não inéditos, acarrete em uma aplicação mais intensa pelos agricultores, já que os preços tendem a cair.
Indústria e Embrapa afastam essa possibilidade. “O produtor não vai usar mais porque está mais barato. Os insumos, entre eles os agrotóxicos, estão entre os maiores custos para o produtor, todo mundo quer é reduzir o uso”, afirma Morandi.
“O que vai acontecer, eventualmente, é a substituição de produtos”, emenda Mario Von Zuben, diretor executivo da Andef
Uso desnecessário e contrabando
Indústria e governo garantem que os pesticidas são seguros se aplicados corretamente, mas admitem que há excessos, mau uso e barreiras na fiscalização.
Segundo o último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, de 2007 a 2015 foram registrados mais de 84 mil casos de intoxicação por agrotóxicos. Na conta, entram venenos de uso nas lavouras, doméstico e raticidas.
“A situação mais crítica é no campo, onde está o indivíduo potencialmente mais exposto aos produtos. Mas, da forma como são registrados, seguindo as determinações de uso, a chance de ocorrer um problema é reduzida ao extremo”, diz Von Zuben, o diretor executivo da Andef.
Segundo o representante das fabricantes, a indústria tem consciência da responsabilidade sobre o tema e realiza treinamentos sobre melhores práticas para os agricultores.
Morandi, da Embrapa, diz que a exigência de uma receita agronômica para a compra de agrotóxicos é, por si só, uma ferramenta para racionalizar a aplicação, mas que muitas vezes é burlada.
“Infelizmente, muitos revendedores assinam o receituário sem avaliar a lavoura, sem de fato fazer a consulta que tem de ser feita. É uma questão de fiscalização.”
Ele afirma que outro problema é o contrabando de venenos formulados com substâncias não permitidas no Brasil. “São práticas que precisam ser coibidas, mas aí já é caso de polícia.”
Fiscalização
Para a Anvisa, mais importante que defender a não aprovação de novos pesticidas, que podem ser menos tóxicos que os antigos, é checar os já existentes no mercado, para se certificar de que estes continuam seguros – e retirá-los do mercado, se necessário.
“As pessoas dizem: esse produto (o agrotóxico) mata. Mata, isso é veneno. Se você pegar um copo e tomar, você vai morrer, sem dúvida nenhuma. Mas eu não posso classificar esse fato como determinante para que eu proíba um produto para a agricultura brasileira inteira, porque o que se fez foi utilizar o produto indevidamente”, diz Renato Porto, diretor da agência.
Periodicamente, a Anvisa revisa alguns princípios ativos. Desde 2016, 16 foram reavaliados, dos quais 12 foram proibidos e 4 mantidos, 3 deles com restrições – o último foi o 2,4-D, segundo agrotóxico mais usado no Brasil, depois do glifosato.
“O grande desafio de hoje é aumentar a fiscalização no campo”, diz Carlos Venancio, coordenador-geral da área de agrotóxicos do Ministério da Agricultura.
“Temos 5 milhões de propriedades rurais [no país], é impossível o governo estar presente no momento em que se aplica todos os produtos”, completa.
Segundo ele, essa tarefa é dificultada porque a lei dos agrotóxicos, de 1989, determina que a fiscalização deve ser feita pelos estados. “[Ela] se fragiliza porque a União não pode passar recursos para o estado fazer o que é competência dele”, afirma.
Ele diz que o ministério realiza encontros entre representantes dos estados para conscientizar e trocar experiências sobre o tema.
Como reduzir o uso
Morandi diz que ainda não é possível eliminar os agrotóxicos na agricultura. “Nas nossas tecnologias de hoje, são produtos indispensáveis. Temos que usar da forma correta, mas são necessários”, afirma.
“É como um remédio para dor, que você não toma todo dia, mas tem que existir porque um dia você vai precisar”, compara o pesquisador da Embrapa.
Ele ressalta, porém, que dá para diminuir bastante o uso desses produtos. Para isso, as ferramentas vão desde o manejo integrado de pragas, como mostrou o Globo Rural, até o planejamento da safra, respeitando a época correta de plantio, com preparo e adubação corretos do solo.
Essas práticas, inclusive, geram economia para o produtor.
Outro recurso é alternar o uso de químicos com produtos biológicos, feitos à base de organismos vivos, como fungos e bactérias. “O Brasil tem uma biodiversidade que nos possibilita ter organismos que naturalmente combatem pragas. Temos condições de fazer uma agricultura muito sustentável”, diz Morandi.
Dos defensivos aprovados neste ano, só 5% são biológicos. Alguns produtos desse tipo podem, inclusive, ser aplicados nos cultivos orgânicos.
“Orgânico ou convencional, se forem responsáveis, ambos os processos podem entregar produtos saudáveis para a população. Só não dá para imaginar que o mundo vá ser alimentado com produção orgânica. Ela custa mais por motivos óbvios: a produtividade é muito menor”, afirma Von Zuben, da Andef.
“Não tem milagre. Teríamos que abrir 2 ou 3 vezes mais territórios se quiséssemos substituir toda a produção convencional por orgânica”, completa.
Morandi, da Embrapa, diz que a agricultura brasileira é segura, apesar dos erros que precisam ser corrigidos. “Nossa legislação é rigorosa, segue padrões internacionais. Exportamos alimentos para 170 países. Ninguém compraria se a gente tivesse envenenando todo mundo.”
Marina Lacôrte, da campanha de alimentação e agrotóxicos do Greenpeace, diz: “Ninguém vai deixar de usar agrotóxicos do dia para noite, mas é preciso ter uma política pública para reduzir. Nunca se investiu em uma agricultura que produza comida, mesmo, e não commodities no país”.
Na Câmara dos Deputados, dois projetos sobre agrotóxicos aguardam votação em plenário.
O PL 6.670/2016 propõe uma política de redução do uso de pesticidas, com a criação de zonas livres da aplicação, perto de moradias, escolas, recursos hídricos e áreas ambientais protegidas, por exemplo. Ele se opõe ao “pacote do veneno”, que visa flexibilizar as regras para aprovação desses produtos no Brasil.