Esse fator pode iniciar uma cascata de fenômenos que resultam na inibição da formação da chamada convecção profunda (nuvens de chuva muito altas e carregadas de vapor d’água), com efeito contrário: a estiagem.
As simulações foram feitas no supercomputador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, em Cachoeira Paulista, SP. Nos dois cenários projetados, a redução das chuvas seria causada por uma queda de aproximadamente 20% na transpiração das folhas. As razões para essa diminuição, porém, são diferentes em cada uma das situações.
Como as folhas das árvores possuem em sua superfície aberturas microscópicas, chamadas de estômatos, que captam o CO2 para a fotossíntese, esse processo fica prejudicado com o excesso de gás carbônico. É como se, com o excesso de alimento, a planta ficasse em um desequilíbrio que, ao invés de ajudar, só atrapalha. Os estômatos se abrem e captam a quantidade necessária do gás, ao mesmo tempo em que emitem vapor d’água. No cenário com mais dióxido de carbono no ar, as folhas ficam menos tempo com os estômatos abertos. Com isso, emitem menos vapor e diminuem a formação de nuvens e, portanto, de chuvas.
“Como o CO2 é um insumo básico da fotossíntese, quando ele aumenta na atmosfera há um impacto na fisiologia das plantas, o que pode ter um efeito cascata sobre a transferência de umidade das árvores para a atmosfera [transpiração], formação de chuvas na região, biomassa da floresta e uma série de outros processos”, explica David Montenegro Lapola, professor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, que liderou o estudo.
Agora, os pesquisadores querem testar outros modelos computacionais para comparar os resultados simulados. Novos experimentos vão ser feitos pelo projeto AmazonFACE (“Free-Air Carbon Dioxide Enrichment”, na sigla em inglês). Instalado ao norte de Manaus, ele vai aumentar a concentração de gás carbônico em pequenas parcelas de floresta, a fim de verificar as reais mudanças fisiológicas e atmosféricas causadas pelo aumento do dióxido de carbono. “O objetivo é tentar projetar possíveis alterações e, se antecipar, ao cenário climático previsto para este século”, explica o pesquisador da Unicamp.
A pesquisa traz ainda o alerta de que, mesmo que o Brasil encontre parceiros em números suficientes para a compra e venda do chamado “mercado de carbono”, a floresta amazônica poderia simplesmente não dar conta de reter o CO2, por causa do impacto em termos de mudanças climáticas, que já começou a chegar. Tema bastante discutido nos últimos dias, o “carbono brasileiro” foi colocado como essencial para a política ambiental pelo presidente Jair Bolsonaro durante o discurso desta quinta-feira (22), na Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a compra e venda do gás – um dos maiores vilões do efeito estufa – mas este assunto desperta debates entre os cientistas.
“Não vai adiantar nada se nós não pararmos a emissão do carbono e o desmatamento, porque não existe atmosfera brasileira, a atmosfera é de todos os países, substâncias que são lançadas em países distantes rapidamente chegam aqui e também impactam as nossas florestas, então, se nós apostarmos em crédito de carbono, mas não tentarmos barrar as mudanças climáticas, não haverá crédito de carbono para vender, porque a floresta vai parar de absorver carbono na atmosfera”, destaca Lapola.
G1