POLÍTICA DE EXTERMÍNIO Diante de uma tragédia em andamento, Bolsonaro pouco faz e dá risada: brasileiros estão sendo tratados como animais (Crédito: Domingos Peixoto)
Engendra-se neste momento uma política de extermínio de brasileiros pobres por meio da miséria e da fome. É mais uma estratégia destrutiva do governo Jair Bolsonaro, que parece ter o objetivo persistente de deixar a população morrer à míngua. Pessoas famintas sendo tratadas e agindo como animais se multiplicam em grandes e pequenas cidades, aumentando a tragédia social que não tem fim. Seres humanos se animalizam, abandonam a civilização por necessidade e atingem a condição de barbárie. Referências da pobreza e subnutrição nacional que pareciam esquecidas no passado, como o “homem-caranguejo”, identificado nos mangues do Recife pelo nutrólogo e geógrafo Josué de Castro, ou o “homem-gabiru”, o brasileiro de 1,35 metro comparado a uma ratazana do Nordeste, voltaram a ecoar e perturbar ainda mais a realidade. O País vive hoje seu pior ciclo de carestia desde o século passado e afunda cada vez mais numa crise humanitária. Atualmente, segundo o Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, mais recente pesquisa sobre o assunto, pelo menos 20 milhões de pessoas passam fome por aqui, o equivalente a 9% da população, e 55% dos brasileiros têm algum problema rotineiro de falta de alimento.
20 milhões de brasileiros estão famintos
O levantamento foi realizado em dezembro de 2020 pela Rede PENSSAN, com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria da ActionAid Brasil, FES-Brasil e Oxfam Brasil, todas organizações não-governamentais, e mostrou que a situação se deteriora rapidamente desde 2015, quando o País deixou o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), voltando a níveis anteriores a 2004. “A gente tem acompanhado os dados e de que maneira a falta de políticas públicas contribuiu para essa situação alarmante com a pandemia. O Brasil corre o risco de se tornar um novo epicentro da fome no mundo”, afirma Maitê Gauto, gerente de programas da Oxfam Brasil. “Em 2018, havia 10 milhões de esfomeados e em três anos o número praticamente dobrou e mais da metade da população sofre sem comida”. Por conta do aumento de preço dos alimentos, as pessoas vêm seus orçamentos se tornando insuficientes para atender necessidades básicas. O peso da alimentação, muito representativo na lista de despesas das classes mais baixas, cresce e impede que as famílias tenham o suficiente para se manter até o fim dos mês. O arroz, por exemplo, aumentou cerca de 30% nos últimos 12 meses, patamar semelhante ao da carne bovina.
“É uma situação muito complicada e a inflação está subindo. O dado da pesquisa do ano passado ainda não mostrava esses efeitos. Muito provavelmente o quadro agora é muito pior do que em dezembro”, diz o economista Walter Belik, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e estudioso do mercado de alimentos e da fome. Em 2020, a inflação acumulada foi de 4,52%. Em 2021, até setembro, foi de 6,9%. No caso do número de obitos pela Covid-19, dois terços das 604 mil mortes, mais de 400 mil, aconteceram neste ano, mostrando que 2021 está sendo pior em muitos sentidos. O dólar também sobe, aumentando o preço em reais dos produtos importados ou cotados internacionalmente. Com o governo federal abandonando as políticas de combate à fome e tirando recursos da área, quem cuida hoje do assunto para que não haja um colapso são os governos estaduais e municipais, mas de maneira independente e sem coordenação central. Outro problema é que Bolsonaro prejudica a obtenção de dados por causa do cancelamento do Censo Demográfico. Para fazer o levantamento da população faminta no próximo ano não será possível contar com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perturbando a sequência de informações históricas.
Uma das causas do aumento da fome é a irregularidade e a incerteza do auxílio emergencial, que substituiu o Bolsa Família durante a pandemia e perdeu poder de compra devido à inflação galopante. O programa está parado desde que o governo adotou o auxílio emergencial, sujeito a interrupções e recomeços e que corre por fora do Cadastro Único, central de informações atualizadas de beneficiários e consolidadas na última décadas, que exige contrapartidas para o pagamento mensal. O auxílio atual enfrenta problemas de governança e compliance, além de gerar incertezas na população pelo seu caráter precário. Para substituir o Bolsa Família, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, quarta-feira, 20, o lançamento do programa Auxílio Brasil, que a partir de novembro deverá pagar R$ 400 para 16 milhões de famílias. O problema é que a medida chega como mais uma cartada populista de Bolsonaro, com prazo de validade para 2022 e cheia de oportunismo eleitoral, além de romper o teto de gastos do governo. Sem contar que o crescimento do número de famélicos é exponencial e há uma demora inaceitável para se ajustar iniciativas de combate ao flagelo. Como dizia o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, grande lutador pelos direitos humanos, “quem tem fome, tem pressa”.
Segundo a economista e professora do Insper Laura Müller Machado é inexplicável que se tenha gasto tanto dinheiro com o auxílio emergencial e se realizado tão pouco no enfrentamento da insegurança alimentar. “O Bolsa Família custa R$ 30 bilhões por ano, e o auxílio, nos últimos doze meses, já custou R$ 300 bilhões”, afirma. Os recursos saem dos cofres do Estado, mas não chegam até a população necessitada. “Se a rede de assistência social não funciona, não é porque faltou dinheiro, mas sim porque o governo alocou recursos de forma errada”, diz. Deu pouco para muita gente e não resolveu o problema. “Se chegamos nesse ponto é porque não houve eficiência no socorro na pandemia e nem o apoio necessário da assistência social”, disse.
Cenas dantescas se repetem no Brasil nas últimas semanas e recuperam algo que parecia ter sido superado. Pessoas esfomeadas buscando restos de comida em lixos de rua, brasileiros desesperados em busca de alguma proteína animal. No fim das feiras, aumentam as aglomerações de pessoas a procura de alimentos. Disputam-se ossos e carnes descartadas para consumo, como se viu no Rio de Janeiro, ou vasculhando caminhões de lixo em Fortaleza para encontrar algo aproveitável para comer. Há pessoas sendo presas porque roubaram um pacote de miojo, como foi o caso da moradora de rua Rosângela Lemos, no final de setembro. Dependente química e mãe de cinco filhos, ela entrou no supermercado Oxxo, na Vila Mariana, em São Paulo, e furtou um macarrão, uma garrafa de Coca-Cola, e um pacote de suco Tang. Acabou presa por quinze dias, mas com a ajuda da Defensoria Pública de São Paulo e do clamor popular, alcançou a liberdade.
Seu caso, afinal, foi enquadrado como furto famélico, ação que visa saciar a fome e que envolve alimentos cujos valores são considerados irrisórios para a vítima. O defensor público Diego Polachini, que atuou no processo de Rosângela, diz que situações como a dela se tornaram corriqueiras. Ele trabalha, por exemplo, num caso de furto de dois pacotes de amendoim, cada um no valor de R$ 1,50, em que o autor foi condenado a um ano de cadeia. “Atos desse tipo são muito pequenos para se mobilizar o Estado”, diz. Imagens do cotidiano da maior metrópole do País demonstram que o estudo da Rede PENSSAN está correto e, provavelmente, subestimado. Ao caminhar pelas ruas que dão acesso ao Mercado Municipal, no centro de São Paulo, pessoas famélicas se alimentam do que sobra de comida no lixo. “Se não pegar, passo fome” diz Gilberto Alves de 53 anos. Com o corpo coberto por trapos, numa terça-feira de frio e chuva na cidade, Alves, pintor profissional, vaga pelas ruas vasculhando lixos em busca de comida e vai pegando o que pode. Ele está em situação de rua há dez anos e não procura mais emprego desde o inicio da pandemia. Famílias inteiras estão vivendo na penúria mais absoluta. A dona de casa Alexandra de Araújo, de 29 anos, que mora no Recife (PE) e cuida de cinco filhos, os dois menores gêmeos, é um exemplo de brasileira sofrida nestes tempos famélicos. Na segunda-feira, 18, ela e suas crianças estavam sem colocar nada na boa há 24 horas. Alexandra recebe auxílio emergencial de R$ 375 e mora numa casa alugada na beira do Rio. A maior parte do que ganha vai para o aluguel e sobra pouco para o alimento. “Não sabemos mais o que fazer”, diz.
fonte :revista isto é